domingo, 8 de março de 2009

O FISCO E O SR. SALOMÃO

Dentre os árabes radicados em Floriano, o que tem mais influência sobre o folclore esfiha com cajuína é, certamente, o Sr. Salomão Mazuad.

O fato de ele ter sido um dos homens mais trabalhadores da colônia seguramente contribuiu para isso. Comerciante dos bons, laborava da alvorada até depois da aurora, dormindo somente por poucas horas. Não hesitava em obter lucro fácil. Fosse burlando o fisco ou fosse usando seu poder de “persuasão” com o inocente nativo, o “seu” Salomão nunca saía perdendo de qualquer transação comercial.

Aqui são relatados dois “causos” que a comunidade “carcamana” conta, sendo ambos sobre o fisco e este personagem tão singular.

O Fiscal Interestadual

Floriano, desde a sua fundação, sempre contou com uma irmã maranhense, a vizinha cidade de Barão de Grajaú.

Separadas pelo Rio Parnaíba, mas unidas por relações familiares e comerciais, as cidades contavam com a cordialidade que caracteriza a natureza singela dos municípios interioranos.

Pois bem: Barão tinha seu carcamano particular. Tratava-se de um árabe de olhos claros e fala macia, muito querido por todos os que iam ter com ele. Tratava-se de Issa Cury-Rad, que, no Brasil, adotou o nome de João.

Pelo sobrenome, o leitor atento já deve ter percebido o laço sanguíneo do personagem com seu bisneto autor. Assim como relatamos histórias falsas e verídicas sobre os árabes florianenses, obviamente sentimo-nos no direito (e à vontade), quando falamos também sobre nossos parentes. Afinal, de um modo ou de outro, somos todos “brimos” mesmo!

Assim, o João “Carcamano”, como era mais conhecido no Barão, era possuidor de uma mercearia de razoável estoque. Obviamente, um dos fornecedores (talvez o maior deles) era o estabelecimento comercial do “gompadre” e patrício Salomão. A relação entre os dois se estreitara de tal maneira, que o filho varão do Sr. João Cury-Rad foi batizado de Salomão Cury-Rad e levado à pia do altar de Santo Antônio por seu homônimo Mazuad.

Travaram os dois carcamanos negociantes astuta combinação para o não pagamento do imposto interestadual sobre as mercadorias transportadas. A travessia pelo Rio Parnaíba era feita na calada da noite, quando os fiscais estavam no “salutar” hábito da jogatina ou da raparigagem nos cabarés do Lajeiro. Naquelas altas horas, não havia um só vigia, plantonista ou sentinela que desse conta de tráfico tão intenso.

Todavia, contam os alfarrábios do folclore, que, certa vez, uma senhora de pele escura foi indevidamente tratada na casa comercial de Salomão Mazuad, tendo sido confundida com uma caloteira já conhecida do metiê comercial.

Acontece que a tal “Negra Velhaca”, como foi delicadamente alcunhada por um dos funcionários do Sr. Salomão, era tão somente a mãe de um dos fiscais da divisa Floriano-Barão, de modo que este, quando soube do ocorrido, foi tomar satisfações com o proprietário, prometendo-lhe vingança fria e suculenta.

— Carcamano infeliz, tu ainda me pagas essa destratação! Serás multado até por respirar!

— Eu “ser” pobre imigrante honesto! Quem anda “no” linha, não tem medo de multas.

Verdade seja dita: Ele não era pobre e nem andava tão na linha assim, porém realmente não temia multas ou represálias, pois contava com um dos tutanos mais luminosos da colônia árabe de Floriano, sempre sabendo se desvencilhar das mais diversas e desditosas perseguições.

Mas o cerco armado estava por demais fechado. O homem estava tão determinado a se vingar que fazia as refeições no próprio posto de vistoria e, conta-se, estava a café e pó-de-guaraná para flagrar os “traficantes carcamanos”.

O estoque do Sr. João Cury-Rad rendeu várias semanas, mas o cerco não baixava e o arroz de Barão começou a escassear. Eis que o Sr. Salomão prometeu dar um jeito de fazer com que a mercearia de João Carcamano voltasse a receber mantimentos normalmente. Bolou um plano. Ora, o tal fiscal estava perseguindo apenas os carcamanos. Nada fazia contra o ir e vir de mercadorias de brasileiros nas balsas que faziam a travessia. Foi então que o judicioso árabe forçou um de seus funcionários, sob pena de demissão, a levar 15 sacas de arroz “do bom” para Barão, passando-se por comerciante forasteiro. Botou-lhe um bom terno e um dos chapéus da loja e ensinou como fazer a travessia, explicando como se fazer passar por rico mercador. E assim o empregado foi para o cais, cheio de pose, achando que o hábito faria o monge.

Na aduana foi interrogado.

— Pra quem é esse arroz, cidadão? — perguntou o fiscal.

— Pra vender no varejo pra essa gente papa-arroz. — respondeu, todo cheio de confiança.

— E qual a procedência da mercadoria? — retrucou novamente o vingativo fiscal.

A resposta foi delatora:

A cuma é que é, seu dotô?

Foi aí que o fiscal desconfiou. Bem vestido daquele jeito e com vocabulário restrito, ali tinha coisa. Então ele falou grosso:

— Forasteiro, sabia que acobertar carcamano ladrão dá pisa e rende cadeia? De quem é esse arroz, cabra safado?

Nem precisou torturar. O funcionário emendou:

— É do meu patrão, o “seu Salamão”!

— Pois vamos comigo aplicar a multa. A mercadoria já está apreendida.

O Sr. Salomão, que quase não dormia, percebeu a movimentação bem antes de eles chegarem a sua porta. Já se dera conta de que o funcionário o delatara, fazendo por merecer um bom castigo.

Quando chegaram, o judicioso sírio nem se moveu da cadeira onde estava sentado. Contudo, antes que o agente pudesse dizer qualquer coisa ele foi logo se levantando agitado e com presteza disse:

— Meu Deus! Allah u ákbar! (Deus é grande!). A “Bolícia” do Brasil é mesmo muito boa! Já “brendeu” este ladrão de arroz sem-vergonha! Não tem nem duas horas que eu dei queixa!

Diante do relato imediato, o fiscal não teve alternativa. Levou o funcionário delator para a delegacia e teve de devolver o produto do “roubo” para o seu legítimo dono.

Enquanto o vingativo sentinela se ocupava da prisão, o Sr. Salomão fez a travessia do arroz pessoalmente, sem pagar nenhum imposto e nem o frete, pois colocou o translado na conta do fiscal.

Obviamente recomendou ao dono do carro de aluguel que cobrasse logo o agente, pois ele pertencia a uma “raça de gente velhaca”, como a mãe dele, que logo se esquecia a quem devia.

Quando lhe foi cobrada a corrida, o sentinela obviamente negou o pagamento ao taxista, que saiu de mãos abanando.

Todavia, antes de sair disse:

— Bem que o carcamano falou que tu és de uma raça de gente velhaca, ó infeliz.

Lojinha que Dá Sustento.

Certa vez, um bem vestido forasteiro entrou na loja do Sr. Salomão Mazuad perguntando, com relativo desdém, quem seria o dono daquela tão bagunçada lojinha.

Diante de tal aleivosia, o Sr. Salomão realmente reparou a desorganização que caracteriza os empórios árabes. Eram chocalhos de diversos tamanhos e modelos jogados ao chão aleatoriamente, junto com cordas de diversas espessuras e cores, misturadas com ferramentas de agricultura e marcenaria, chapéus multicores, bem como toda qualidade de tecidos e miudezas.

A dureza da verdade nua e crua chocou o comerciante, fazendo com que ele ficasse profundamente magoado com tamanha perfídia e desconsideração. Ainda mais vindas de um forasteiro, desconhecedor do prestígio dos árabes na sociedade de então.

Os olhos começaram a arder e logo se puderam ver lágrimas se formando no rosto do árabe. Indignado ele falou:

— Senhor forasteiro, você fala “do” lojinha do Salomão, mas não sabe de nada! Graças a “este” lojinha bagunçada, Salomão só tem prosperado! Graças a este lojinha, Salomão casou com libanesa mais bonita da região do Zahle e “do” melhor família! Graças a este lojinha comprou todos os salões deste lado da Rua São Pedro. Graças a este lojinha, construí casarão para “meu” família viver! Graças a este lojinha, seu forasteiro de merda, eu pude cobrir “meu” mulher Isabel de jóias, ouro e brilhantes! — e o árabe foi se emocionando cada vez mais, ao passo que sua língua ficava mais ferina.

— Graças a “este” lojinha eu mandei minhas filhas pro exterior, seu língua de trapo maldito! Graças a este lojinha eu “comprou” apartamento no Rio de Janeiro, seu desbocado filho de cachorra sem pai!

Ao concluir o desabafo, o Sr. Salomão estava se tremendo da cabeça aos pés, mas nem percebera o quanto se exaltara.

O estranho, que ouvira tudo aquilo calado, nem se abalou. Simplesmente soltou, num tom bem sarcástico:

— Ô carcamano ricaço, tu sabes quem sou eu, pra falar comigo desse jeito? Deixa de querer ser o “bonzão”, turco expatriado! Isso lá é jeito de falar com um homem que tu nem conheces?

— Pois quem és tu, infeliz?

— Eu sou Pedro da Fonseca Lima, agente e fiscal da Receita Federal Brasileira! — emendou, enquanto puxava o bloquinho de multas.

Vendo a desgraça, o Sr. Salomão exclamou, enquanto forçava um sorriso:

— E o senhor? Por acaso sabe quem está a chamar de turco expatriado?

— Não! — retorquiu Fonseca Lima.

— Eu “ser” Salomão Mazuad, o carcamano mais brincalhão e mentiroso da Rua São Pedro!



Autoria:,
Salomão Cury-Rad Oka
Cirurgião-Dentista

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Floriano-PI
Tel.: (89) 3521-3700
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