segunda-feira, 25 de outubro de 2010

SABEDORIA SALOMÔNICA


Certa vez comentou-se em Floriano sobre a origem da sabedoria de seu Salomão Mazuad. Teria ele nascido com aquela astúcia? Teria herdado tamanha sabedoria do rei de Israel, juntamente com o primeiro nome? Ou algum episódio lhe ocorreu que o obrigou a ser perspicaz? Não se sabe. O certo é que ele já teria vindo da Síria, sua terra natal, com aquele atilamento de bom vendedor, pois existe no folclore Esfiha com Cajuína uma história que lhe teria acontecido no navio em que imigrou para o Brasil.
Eram idos do começo do século XX, quando o então jovem Salomão decidiu aventurar-se em terras onde não existia o ódio turco. É certo que, na 1ª Guerra Mundial, o domínio dos turcos sobre a Síria foi uma verdadeira peste negra. Os dominadores queimavam vilas, fuzilavam os jovens da resistência e fechavam os poços artesianos das aldeias a fim de privar-lhes de água potável. Os mantimentos eram saqueados, assim como qualquer pertence de valor que o camponês ousasse possuir. O rebanho era abatido e as colheitas utilizadas para alimentar os soldados. Os rapazes eram compulsoriamente alistados no exército turco, de modo que muitos jovens deixaram o conforto de suas famílias para combater em favor de um exército conquistador.
Tudo isto sem considerar-se a barreira religiosa. Os turcos eram otomanos (como, aliás, grande parte do mundo árabe de então). As poucas cidades católicas da Síria viram-se seriamente ameaçadas por um inimigo tão cruel, que não poupava nem os irmãos de religião. É de se imaginar a desgraça que poderia acontecer se cidades católicas como Maalula e Khabab fossem conquistadas pelos turcos otomanos. E justamente por isso essas duas cidades começaram a exportar jovens para as Américas. Muitos foram para os EUA. Outros tantos foram para o Chile e a Argentina. Mas, sem dúvida, a grande maioria dos rapazes dessas cidades optou por Floriano como abrigo seguro contra os turcos.
Para ferir mais ainda o orgulho sírio, todos os documentos oficiais daquela época possuíam o timbre oficial da Turquia e os brasileiros invariavelmente tratavam os portadores de tais documentos de turcos. Um verdadeiro acinte! Uma afronta desditosa! Era muita humilhação que o sírio de então tinha de enfrentar! Mas não Salomão Mazuad. Era-lhe preferível a aventura do desconhecido em liberdade do que a luta armada sem idealismo e em favor de um inimigo cruel. Juntou algumas parcas economias e cobriu-se de muita coragem para embarcar num navio a vapor rumo às Américas. Nessa viagem, possuía somente poucas mudas de roupas acomodadas numa pequena mala e cerca de 5.000 réis em espécie, economizados para dar início à nova vida em terras americanas e muito bem guardados num pacote cuidadosamente preparado.
A viagem costumava durar várias semanas. Lá pelo quinto dia de viagem, uma tragédia aconteceu. O jovem aventureiro perdeu todas as suas economias. O desespero bateu. Como era possível que um árabe atinado perdesse a importância de 5.000 réis? Procurou o pacote pelo navio inteiro, mas não encontrou nem vestígio. Nenhuma pista conduzia ao dinheiro ou a um possível larápio. Como alguém poderia ter-lhe roubado o dinheiro se ninguém, além dele mesmo, sabia do conteúdo do pacote? Pensando bem, devia ter deixado o pacote cair em algum lugar. Mas como encontrá-lo? O jeito seria chamar o capitão da embarcação e comunicar-lhe o fato. Muito solícito, o comandante disse-lhe que a única solução plausível seria divulgar o desaparecimento do pacote e ofertar uma recompensa a quem o encontrasse. E Assim fez Salomão Mazuad. Divulgou que tinha perdido um pacote de dinheiro e que daria a metade a quem o encontrasse. Não demorou muito, apareceu-lhe um jovem turco com os 5000 réis. O sírio contou o dinheiro calmamente e anunciou de uma maneira muito judiciosa:
— Meu caro amigo, fico muito feliz que tenhas achado a “metade” do dinheiro que perdi. Contudo esta é a “minha” metade. Podes agora sair e procurar a tua metade, antes que outro alguém a encontre!
E assim Salomão Mazuad teve sua vingança turca!

domingo, 3 de outubro de 2010

O JUMENTO DE SEU SALOMÃO




Não se sabe bem o motivo, mas apenas uma única família árabe foi para o Barão de Grajaú. Naquelas terras maranhenses, o clã Cury-Rad se firmou com um sortido empório, de onde tirava o sustento. O cabeça da família se chamava Issa Cury-Rad, mas no Brasil, adotou o nome de João. Teve dois filhos: Salomão (em homenagem ao compadre Salomão Mazuad) e a pequena Salomé Cury-Rad.
O velho João amealhou grande fortuna. Passado algum tempo no Brasil, já era senhor de terras e de gado. Seus filhos cresceram saudáveis no salutar ambiente dos anos 30 e 40 de Barão de Grajaú.
A jovem Salomé casou-se com um rapaz garboso da tradicionalíssima família Costa e Silva chamado Fabrício, e o jovem Salomão Cury-Rad casou-se com uma belíssima moça da família Benvindo da Fonseca, de Jerumenha.
Com a morte do velho, Salomezinha e o marido continuaram no Barão de Grajaú, tomando conta dos negócios da família, mas Salomão foi para o interior do Maranhão, onde tinha várias fazendas e onde, posteriormente, entrou para a política. A cidade se chamava João Lisboa.
Salomão Cury-Rad era um homem simples, mas cheio de vida. Seu bom humor era famoso, mas quando se via numa situação pitoresca, suas tiradas eram ácidas e sempre resultavam em interessantes histórias.
Conta-se, por exemplo, que tinha um jardim aberto, com um gramado sempre verde e bem cuidado, onde se sentava todas as tardes para ver os transeuntes e o movimento da rua.
Ali passava o tempo ocioso, ouvindo rádio ou no conversê com os peões e caboclos de suas fazendas. Também recebia seus contatos políticos naquele gramado, onde tomavam decisões eleitorais importantes sentados em gostosas e confortáveis cadeiras de espaguete. Como era chefe político e mandava sozinho e sem oposição, ganhou o apelido de “Galo Velho”.
Salomão Cury-Rad também tinha suas excentricidades, como criar um bode como se fosse um cachorro. Batizou o animal de Bito e o tratava com muitas regalias, dentro de casa, inclusive, estalando os dedos e chamando-lhe pelo nome repetidamente, como a um cachorrinho treinado.

Assim, sentava-se nas cadeiras de espaguete com as pernas estiradas sobre o dorso macio de Bito, enquanto o animal pastava do gramado verde.
Naquele tempo, o veículo mais popular era, sem dúvida, o jumento. A “frota” asinina de João Lisboa era enorme. Muitos jumentos andavam soltos pelas ruas da cidade e, invariavelmente, adentravam nos terrenos baldios, nas quintas, nos pequenos sítios que margeavam o município e nos jardins das casas abertas. Sempre comiam as plantas verdes e deixavam aquele “rastro” malcheiroso de estrume novo.
Salomão Cury-Rad literalmente odiava quando algum jumento entrava em seu gramado, pois sempre o animal se servia da capim que era exclusividade de Bito e ainda fazia cocô onde ele gostava de passar o fim de tarde.
Certa vez, chegou em casa e encontrou um jumento branco pastando no jardim. Resmungou bastante, e chamou um de seus trapizombas para retirar o animal. Enquanto esperava a vinda do jagunço, buscou a cadeira de espaguete e o dorso de Bito para descansar as pernas.
Era tempo de política e, antes que o feitor aparecesse, chegou um matuto se dizendo seu eleitor. O “Galo Velho” ouviu o problema do camponês que disse:
― Seu Salomão, eu tô carecendo muito de um jumento novo, causa de quê eu tinha uma jumentinha que me ajudava lá no sítio, mas ela morreu no parto. Ela me era de muito auxílio, pois trazia no lombo as coisas do sítio pra eu vender aqui na cidade. E eu contava com o jumentinho que ia nascer pra me ajudar também, mas agora eu tou é sem nada.
Ouvindo isso, o olho do velho político teve um breve lampejo maquiavélico. Interrompeu a queixa do camponês dizendo:
― Calma, homem. Se o seu problema for só esse, estamos resolvidos. Leve este jumento branco aqui do meu jardim. Dou ele pra você com toda satisfação!
O tal eleitor ficou muito feliz com o presente que lhe solucionaria o problema. Beijou a mão do “Galo Velho” e saiu satisfeito puxando o jumento pelo cabresto.
Salomão ria da resolução feliz do seu problema e do problema do matuto.
O que aconteceu, porém, é que o tal eleitor era um homem trabalhador e, de fato, o seu sítio tinha alguma produção. Arrumou os insumos em grandes jacás e os colocou sobre cangalhas instaladas no lombo do burrico a fim de vendê-los no mercado central.
Assim que começou a vender, um homem alterado o abordou, alegando ser dono do jumento:
― Cabra safado! Então foi você quem roubou meu jumento!
O camponês trabalhador entrou na defensiva:
― Não senhor! Esse jumento nunca foi seu! Esse jumento era do meu padrinho, o seu Salomão Cury-Rad e foi ele quem me deu! Se for corajoso o suficiente, eu até vou lá com você “mode” tirar isso a limpo!
O acusador tremeu na base, mas topou o desafio.
Quando os dois chegaram no jardim, o velho político, já sabia do que se tratava a pendenga. O acusador escolhendo muito bem as palavras, se queixou para o velho, dizendo:
― Mas seu Salomão, como é que o senhor faz isso comigo? Por que o senhor foi se desfazer de meu jumento, se sou seu eleitor há tantos anos?
O velho interpelou:
― Se você quisesse jumento, não deixaria ele adubando a casa dos outros, cabra da peste! ― e, para não perder o eleitor, teve, de imediato, uma de suas astutas sacadas para resolver o problema. Apontando para um novo asno que lhe invadira o jardim, continuou: ― Mas, se você tá fazendo tanta questão por um jumento, leve aquele marronzinho que tá ali no meu jardim comendo da minha grama! Mas fique sabendo que só vou lhe dar ele porque você é meu eleitor antigo e pra você deixar de confusão!
No final da situação, se livrou do outro jumento, agradou os dois eleitores e ainda posou de justo.

domingo, 15 de agosto de 2010

I'm here!!! Elias Oka Street


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This is the location of "دار العكة"

terça-feira, 6 de julho de 2010

TAMANHO É DOCUMENTO

O sírio Jacob Demes tinha o hábito de cultivar boas amizades. Tinha um círculo de amigos grande, mas rendia atenção especial ao patrício Gabriel Zarur.
Jacob tinha o coração manso e sereno, mas Gabriel tinha o espírito alegre e brincalhão. Passavam muito tempo livre juntos, sempre buscando algo que lhes desse algum entretenimento. Gostavam de caçar e pescar um na companhia do outro, por exemplo.
As pescarias eram muito freqüentes nas Floriano dos anos 40, 50 e 60. O Clube de Regatas, que fica(va) nas proximidades do sítio Mirilândia, recebia os mais ilustres expoentes sociais da Princesa do Sul em alegres piqueniques, competições de regatas e, eventualmente pescarias.
O Rio Parnaíba ainda não tinha sido tão desgastado e corroído como está hoje, de modo que ainda contribuía com peixes grandes e em bom número. O banho era também muito refrescante. Havia diversas árvores frutíferas na beira do rio, que incluía mangas, goiabas, cajás, cajus, umbus, etc. A meninada fazia a festa. Atravessavam o rio em bóias feitas com câmaras de ar de pneus de trator ou de caminhão. Por outro lado, o rio era implacável: muitos incautos morreram afogados nas águas do Velho Monge.
Só mais recentemente é que as pescarias foram transferidas para a região do balneário da Manga, pois os piaus e os surubins ficaram mais raros nas proximidades da cidade.
Gabriel Zarur e Jacob Demes, por sua vez, eram muito partícipes dos movimentos sociais de Floriano. Para caçar, preferiam as proximidades do rio Itaueira, mas para pescar, sem dúvida, a beira do rio Parnaíba era melhor. Foram, certa feita, para a região que fica pouco depois do Regatas e armaram um modesto acampamento de pesca.
Começaram a jogar anzol, mas o rio não estava cooperando com os dois carcamanos. Nem piabinha eles conseguiam tirar da água. Tentaram com isca de borra de coco babaçu, com isca de cuscuz, fiapo de carne, minhocas e nada de vir peixe.
Jacob, sem reconhecer a própria imperícia na caça e na pesca, reclamou do patrício:
― Gabriel, você dá azar! Toda vez que eu vou caçar e pescar com você eu não consigo pegar nada.
O companheiro entendeu a pilhéria e pensou em contar vantagem. Decidido e demonstrando muita convicção, jogou uma pra cima de Jacob:
― Compadre, certa vez eu vim pescar sozinho aqui no Regatas e pesquei um piau de uma braça! Devia pesar uns cinqüenta quilos! Um verdadeiro peixão!
Jacob digeriu a conversa fiada entrando no clima fantasioso:
― Pois eu vim pescar uma vez sozinho. Já estava tarde e logo ficou escuro. Resolvi não desistir de pescar. Quando ficou escuro mesmo, joguei a linha mais ou menos no meio do rio. Compadre, um milagre aconteceu. Eu consegui pescar um lampião aceso! Saí do sufoco da escuridão que nem o Aladin!
Gabriel tirou o chapéu por um momento e coçou a cabeça. Tornou a colocar o chapéu e disse maliciosamente:
― Mas Jacob, pescar um lampião aceso é meio difícil!
O bom Jacob sorriu do patrício, ajeitou a isca no anzol, jogou a linha mais uma vez, e disse triunfante:
― Gabriel, pois você diminua o tamanho do seu peixe que eu apago o meu lampião!

sábado, 29 de maio de 2010

O ÁRABE DO PIAUÍ E A CIGANA DA BAHIA


Certa vez veio a Floriano um grande circo de lona vindo diretamente da Bahia. Achava-se numa turnê que passava por cidades de maior porte, onde circulava dinheiro. Em terras de São Pedro, estabeleceu-se na praça do mercado central (atual Praça Coronel Borges). O circo era completo: tinha desde palhaços até trapezistas voadores que não usavam rede. Havia, ainda, mágicos, domadores de feras e até globo da morte. (uma grade novidade nos anos 60).
Uma das atrações mais populares do circo era, todavia, uma cigana que se dizia capaz das mais poderosas proezas esotéricas. Um anãozinho anunciava aos berros, com uma possante voz de locutor:
― Venha conhecer os prodígios da cigana Morgana Esmeralda, que veio diretamente das Índias Orientais. Por sua “pequena” contribuição, ela quebra feitiços, olho-gordo, quebrante e mal-olhado. Ela traz a pessoa amada em menos de dois dias. Ela lê nas suas mãos o seu destino amoroso e financeiro…
A cigana possuía uma pequena tenda, onde lia a sorte e os reveses de seus clientes por meio de baralhos, búzios, bola de cristal ou quiromancia. Dependia muito do gosto (e das posses) do freguês.
Quando o transeunte não caía na lábia do anão, a cigana Morgana Esmeralda o abordava pessoalmente.
Assim ela fez quando um jovem carcamano muito bem apessoado atravessava a praça do mercado. Chamava-se Fozy Atem, e pertencia a uma tradicional família árabe de Khabab estabelecida há muitos anos em Floriano.
Como era um rapaz de astuciosa inteligência, não podia deixar de ser cético para esses assuntos místicos. Duvidou na hora da idoneidade da “Cigana das Índias Orientais” e ia passando direto, resmungando para si mesmo que existia muita gente trouxa no mundo, quando a vidente o abordou falando teatralmente num sotaque um tanto forçado, que misturava um pouco de portunhol, com baianês e uma leve sonoridade hindu:
― Ó, jovem bonito! Deixa cigana Morgana Esmeralda ler sua mão?
Fozy exclamou olhando para a palma da mão:
― Não tem nada escrito nela não! Muito obrigado!
O árabe já ia continuar, mas ela fez uma segunda tentativa:
― Então deixa cigana Morgana Esmeralda fechar o seu corpo…
Fozy perdeu a paciência e disse em tom de chacota:
― Se você fechar o meu corpo, como é que eu vou cagar?
A cigana empalideceu. Respirou fundo, recuperou a calma e insistiu:
― Ó, jovem bonito! Cigana Morgana Esmeralda ser capaz de ver que você “non” crê nos poderes “márricos” de “nosotros”!
Fozy respondeu que não e pediu licença para poder continuar seu trajeto. Mas a cigana era insistente mesmo:
― Cigana Morgana Esmeralda ser capaz de ver tudo! “Siento que hai uma piedra en su camino”! Por “pequeña” quantia, cigana Morgana Esmeralda tira ela de seu destino!
O educado Fozy Atem perdeu a paciência de vez e explodiu:
― É verdade! Tem uma pedra no meu caminho! E essa pedra é você! Agora sai do meio, cigana fajuta!
A cigana pegou ar. Fazendo gestos cabalísticos com as mãos, praguejou no mais legítimo sotaque da Bahia:
― Ôxe, que hômi amarrado! O diabo te receba no inferno, carcamano miserável! Vai ser sovina assim lá na Turquia, árabe “fela da gaita”!
Fozy devolveu sem perder o rebolado:
― Pelo menos eu sou árabe legítimo! Pior é você, que é uma cigana charlatona da Bahia!

sexta-feira, 30 de abril de 2010

A SORTE ESTÁ LANÇADA



O astuto Salomão Mazuad teve duas filhas: Georgette e Lourdinha. Aquela casou-se com um rapaz do Rio de Janeiro e esta foi desposada por um distinto libanês chamado Constantin Al Salha. Em razão do matrimônio, a noiva trouxe o jovem Costy (apelido carinhoso pelo qual o chamava) para Floriano. Em terras de São Pedro tiveram uma vida plena. Viviam com conforto e desfrutavam de vida social ativa. Porém, em seus últimos anos, Costy Al Salha não gostava de sair muito. Estava começando a envelhecer e ganhara alguns quilos extras por causa da farta e boa comida que lhe era servida. Encontrou um meio de se distrair e preencher o tempo sem precisar sair de casa ou, caso fosse necessário, de não precisar se deslocar muito. Descobriu que suas tardes poderiam ser mais interessantes e menos nostálgicas se as passasse na companhia de um patrício seu contemporâneo jogando gamão, que é um jogo muito comum entre os árabes. Consiste de um tabuleiro chamado “taula”, que significa “mesa”, dotado de doze casas triangulares do lado de cada jogador. Nessas casas dispõem-se quinze peças pretas e quinze peças brancas para os dois adversários e, através de astúcia com a matemática e de sorte com um par de dados lançados a cada rodada, essas peças são movidas pelo tabuleiro e, enfim, uma a uma, vão sendo removidas dele. Ganha o jogo aquele que as remover primeiro.
Logicamente, Costy aproveitava-se dessas ocasiões para discutir sobre a política do Oriente Médio e manter uma boa conversa na língua árabe. Era sua maneira de matar as saudades do Líbano deixado para trás.
Dois carcamanos eram parceiros quotidianos e Costy: Hagem Mazuad, um carcamano que residia logo atrás da Igreja Matriz (e que era primo de sua esposa Lourdes) e Mohamed Aborabi, irmão do Ibrahim da famosa Casa das Sandálias.
Como Hagem e Costy eram vizinhos, passavam mais tempo juntos nesta saudável competição. Hagem era uma pessoa muito instruída e de conversa extremamente agradável. Escrevia lindas poesias e crônicas em árabe e eventualmente as lia para Costy. Foi Hagem quem fez o discurso de saudação ao Embaixador Sírio Ghassoub Rifai, quando este visitou a Princesa do Sul por ocasião do Centenário da Imigração Árabe (uma grande festa comemorativa que aconteceu no Calçadão da Rua São Pedro em 1989).
Por outro lado, Costy também gostava da companhia de Mohamed, pois ele era o único compatriota libanês, haja vista que todos os carcamanos de Floriano eram sírios, exceto os da família Salha e Aborabi (A bela esposa de Salomão Mazuad também era libanesa e chamava-se Isabel Abu Qais, mas voltou para sua terra natal onde vive até hoje. Se houve outros, não há registro disponível até agora).
Durante muitos anos, os três amigos jogaram quase que diariamente, revezando os adversários conforme a conveniência.
Mas, infelizmente, o tempo fora inclemente com o trio de carcamanos. Muitos anos já haviam se passado desde que imigraram para o Brasil e o árduo trabalho diuturno a que se submeteram durante toda a vida prejudicou-lhes na velhice.
Assim Hagem Mazuad foi o primeiro deles a atender ao chamado do Criador. Foi um dia de pranto e luto na Colônia. Os carcamanos remanescentes fecharam suas lojas para, juntamente com muitos descendentes de sírios, irem ao velório prestar suas últimas homenagens.
Costy se abalou bastante com a perda de Hagem, de modo que algum tempo se passou até que voltasse ao tabuleiro de gamão com Mohamed Aburabi.
Logicamente, o laço de amizade entre os dois libaneses era forte e, certa tarde, retornaram às longas e freqüentes partidas e conversas. Jogaram juntos por cerca de dois anos, até que, repentinamente, o Criador também subtraiu Mohamed do nosso convívio. Costy lamentou profundamente a perda do amigo de tantas tardes alegres, quando gritavam bem alto em árabe os lances de dados.
E foi assim que se acabaram as partidas de gamão para Costy. Não tinha mais com quem conversar sobre política, ou literatura. A partir de então, só falaria em árabe com a esposa e com os filhos e netos, pois os amigos e patrícios contemporâneos, Deus já tinha levado.
Quando a saudade das partidas de gamão começou a lhe apertar o peito e as tardes já estavam compridas demais, Costy resolveu ensinar o jogo dos árabes a seu motorista, um homem muito superticioso chamado Lúcio.
Quando o velho árabe lhe clamou o nome com a voz melosa e derretida, Lúcio imediatamente desconfiou que uma bomba viria e se preparou para dizer alguma coisa que lhe rebatesse o pressentimento funesto.
Costy lhe propôs:
― Lúcio, o que você acha de aprender a jogar gamão e me fazer companhia todas as tardes? Desde que Hagem e Mohamed morreram, fiquei sem parceiro de gamão…
Lúcio fez uma careta e exclamou cheio de pavor:
― Deeeeeeus me livre, seu Costy! O senhor já enterrou dois parceiros de gamão! Deus que me defenda!!! Não quero ter a mesma sorte que eles de jeito nenhum!

sexta-feira, 16 de abril de 2010

A CABELA DELA


Certa vez, eu, meus irmãos e papai fomos jogar bola no espaçoso quintal de nossa casa. Ainda é como era naqueles dias que já se foram há vinte anos: uma bela quinta, de areia branca e fina, com uma frondosa mangueira que nos fazia sombra durante as brincadeiras infantis. Colocamos, pois, um par de alvenarias de cada lado de nosso campo simulando as traves e começamos a brincar de tocar a bola. Papai estava recém operado de ponte-de-safena, mas o esforço e a descontração eram prescrições do médico. Ele estava muito feliz e disposto naquela tarde. Estávamos todos descalços e sem camisa, trajando apenas bermudas de tecido leve. Meus dois irmãos mais velhos, David e Oka (que têm apenas um ano de diferença na idade entre si) estavam naquela fase adolescente de competir por tudo. Jogavam acirradamente e, por vezes, com alguma violência num passe ou numa bola dividida. Eu devia ter uns 7 anos apenas e, por ser novo demais, eles meio que me deixavam de fora dos passes, alegando que eu era “café-com-leite”. Papai intervinha pacientemente. Corria, tomava a bola e driblava um deles para tocar pra mim e me ver participando. Isso se repetiu várias vezes naquela tarde e em outros jogos. Mas papai não tinha tanto talento para o futebol quanto tinha para a Odontologia, de modo que, eventualmente, ele fazia um passe ou um toque “bola murcha”. Ria da própria “perna de pau” com altas e gostosas gargalhadas. O Oka Júnior, que é o mais velho, mangava acintosamente, pois era mais ágil. David era menos habilidoso, pois era mais cevadinho e, invariavelmente, era dele de quem papai roubava a bola. Num desses lances, para não ficar por baixo, David deu um senhor bico na canela de nosso genitor, que, de dor, exclamou bem alto uma frase em árabe (hoje eu sei que foi um palavrão bem cabeludo) e disse mancando:
― Meu filho, você quase arrebenta a perna do papai!
Corri ao encontro dele preocupado. Afobadamente perguntei:
― Machucou, papai? Se machucou, a mamãe dá um beijo e a dor vai embora…
Ele se desmanchou na hora e disse me pegando no colo e me dando um cheiro no cangote, apesar do meu suor:
― Meu príncipe lindo! Machucou não, mas “arrancou a cabela dela”!
Os manos enciumaram:
― Aduladorzinho! Aduladorzinho!
Não prestei atenção para o despeito deles. Com a curiosidade atiçada perguntei:
― Pai, o que é “a cabela dela”?
Meus irmãos, mais velhos, pensaram malícia e riram entre si.
Mas papai resolveu-nos ensinar qualquer coisa que nos servisse. Perguntou:
― Vocês sabem quem foi o primeiro árabe que veio a Floriano? ― diante da negativa, continuou ― Foi um parente nosso chamado Antun Gibran Zarur. Ele veio pro Brasil e colocou a primeira padaria de Floriano.
Eu viajei na maionese. Na minha inocência, pensava que a primeira panificadora de Floriano tinha sido a Ypiranga, do meu tio Nonato e da minha tia Jeane. Perguntei:
― Esse Zarur é avô do tio Nonato?
Okinha entendeu ligeiro:
― Seu burrinho, a primeira padaria não foi a “Ypiranga”, a primeira padaria foi a “Recife”!
David interrompeu:
― Burro é tu, Oka! A primeira padaria foi a “Casa do Pão”!
Papai riu compreensivamente da inocência de sua prole e apaziguou-nos:
― Ninguém é burro! Vou explicar e vocês vão entender. O avô do tio Nonato era um carcamano chamado Zacarias Haddad e ele colocou o primeiro cinema do Piauí. Mas a primeira padaria foi Antun Zarur quem abriu. Ficava na esquina do calçadão e fez muito sucesso na época.
Eu perguntei a papai, com meu restrito vernáculo infantil, porque o Pioneiro escolhera uma padaria em detrimento de uma loja de tecidos, como todos os outros imigrantes que vieram em seguida. Papai respondeu com mais informações:
― Quando esse carcamano veio da Síria em 1889, passou pela França. Chegando lá, viu a construção da Torre Eiffel, que foi inaugurada no mesmo ano em que ele chegou aqui. Também conheceu o pão francês. Como ele era uma pessoa muito inteligente, aprendeu a fazer esse pão e trouxe a receita pra Floriano. Aí ele abriu a padaria e ficou muito rico e começou a trazer os parentes dele que tinham ficado na Síria. Foi assim que a colônia árabe de Floriano começou.
Eu estava encantado com a história esclarecedora, mas perguntei com algum atrevimento:
― E o que tem haver esse Zarur com “a cabela dela”?
Papai lembrou-se então porque iniciara a história do Zarur e continuou:
― Eu conheci um parente desse pioneiro. Ele se chamava Gabriel e era um homem muito brincalhão. Adorava fazer graça com os outros carcamanos e com os brasileiros. Tem muita história engraçada dele e essa história de “cabela dela” é invenção dele. Ele contava que tinha ido caçar jacu na roça com um conterrâneo dele chamado Jacob Demes. Os dois gostavam de competir como o Okinha e o Davizinho e, quando um perdia, o outro caçoava. ― interrompi a narrativa:
― Papai, o que é Jacu?
― Jacu é um bicho de carne exótica e de sabor diferente, mas muito apreciado, pois é difícil de caçar devido a sua grande agilidade. Mas, continuando a história, posso dizer que os dois carcamanos faziam silêncio pra não tanger os bichos. Enfim, resolveram se separar para abranger uma área maior, quando, de repente, ouviu-se um tiro seco na mata e um grito. Jacob Demes procurou Gabriel com os olhos e o encontrou no chão com a espingarda fumegante nos braços. Preocupado, buscou por machucados no companheiro. Quando viu que Gabriel tropeçara em arbustos, Jacob perguntou com desdém:
― Acertou Jacu, Gabriel?

Com a arma ainda quente, e esfregando a mão na bunda, que doía da pancada, Gabriel se levantou desajeitadamente e respondeu sem perder o rebolado:
― Não, Jacob, mas arranquei a cabela dela!
Papai riu sozinho da história, ao passo em que se admirava do fato destas “expressões” de carcamanos já fazerem parte do vocabulário da nossa cidade, mesmo sem ninguém saber o porquê. Finalmente, a brincadeira acabou quando ouvimos o grito de minha mãe, que berrava a plenos pulmões, da cozinha, que fôssemos os quatro tomar banho, que estávamos muito sujos e já estava na hora da merenda.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

MEU RECADO É MEU CANTO

(Quem sou eu)

Sou eu quem vai sorrir na tua decepção.
Mas não vai ser escárnio.
Vai ser simplesmente por ter confirmada a minha previsão.

Sou eu quem vai ser completo no fim da construção.
Sou palavra e sou fé.
Sou trabalho e sou ação.

Sou eu quem vai ver o começo da indagação.
"Por que ele não mais me quer?"
Porque o que tenho agora é só desilusão.

E no fim da fantasia criada pela tua imaginação,
Verei que sou um homem mais completo,
Pois eu sou aquele que recuperou o coração.

Eu sou, pois, o intérprete da canção.
Não te perdôo, porque já te esqueci.
É isso aí:
Meu canto tem amor, tem queda e tem ressurreição

Salomão Oka, Floriano, 12 de Abril de 2010.

sábado, 3 de abril de 2010

UM BRINDE DIFERENTE


Pode parecer engraçado, mas o choque das culturas de Floriano e Barão com Khabab e Maalula envolveu os aspectos mais diversos. Roupas, idioma e culinária foram apenas as facetas mais evidentes. Pequenas coisas ou atitudes também podiam chocar bastante os forasteiros. Exemplo disso é o natural ato de soltar pum. Se para o brasileiro um barulhento pum em público pode ser uma coisa vexatória, para o carcamano é um escândalo sem precedentes! É motivo para fugir da cidade, deixando tudo para trás. Por saberem disso, alguns filhos de carcamanos de Floriano costumam brincar, dizendo que sua gente veio para o Brasil fugindo da vergonha de um sonoro peido que algum ancestral teria soltado no meio de uma missa lá na Síria.
Isso gerou muitas histórias engraçadas sobre o assunto, como a descrita a seguir:
Numa quente noite no deserto sírio, na volta para Khabab depois de negociações com gente mulçumana, uma caravana de sírios católicos caminhava, puxando aquela enorme cáfila de camelos abarrotados de especiarias, sedas e azeite. Muitos conversavam alegremente, como era costume, cantando músicas folclóricas ou rezando o rosário em voz alta para passar o tempo e vencer a distância.
Um desses viajantes era muito rico e abastado, procedente de uma das melhores famílias de Khabab. Isso ajudou a transformá-lo também num mercador muito bem sucedido e conhecido em todo o Governadorato do Houran. Tinha a conversa muito agradável, mas, estranhamente, naquela noite, sempre andava mais a frente ou mais atrás, em relação aos companheiros de jornada. O motivo do auto-isolamento era justamente porque esse sírio jantara, na noite anterior, gostosos e apimentados charutos feitos de folha de repolho, cozinhados por habilidosas mulçumanas donas da estalagem onde se hospedara. O efeito, no dia seguinte, foi aquele esperado pelo leitor atento: flatos de todos os sons e dos piores aromas…
Um dos carcamanos que ia nessa caravana, não era de Khabab. Era novato no metiê comercial, mas, a despeito disso, muito perspicaz e observador. Reparou logo que o árabe rico se isolara e, não demorou muito, desconfiou do por quê.
Aproximou-se sorrateiramente do peidão e esperou pelo pum, que veio ruidoso e demorado. Nem bem o companheiro terminou de soltar o gás, ele exclamou a toda altura:
― Eita, que esse foi de cinco metros! Começou cinco metros atrás e só parou aqui!
O sírio rico se aperreou. Ficou branco do susto e depois vermelho de vergonha e, quando se recuperou, suplicou:
― Por favor, não conte a ninguém que eu fiz isso na sua frente, ou meu comércio estará acabado…
O forasteiro disse-lhe muito judiciosamente:
― Não se preocupe, pois sei ser grato a quem me presta favores. Como você sabe, sou forasteiro e não gozo de nome (nem bom nem mau) por estas paragens. Mas, se você, que é conhecido na praça comercial, me fizer uma reverência, todos vão pedir informações sobre mim, de modo que poderei obter muito lucro vendendo minhas coisinhas.
― De que tipo de reverência nós estamos falando? ― perguntou o khababi entendendo a chantagem.
― De coisa simples. ― disse o forasteiro cofiando os bigodes ― Apenas um cordeirinho do seu rebanho que você vai mandar abater e preparar com ervas finas para comermos num jantar que você oferecerá aos seus amigos mercadores em minha homenagem.
― Combinado! O sacrifício de um cordeiro pelo sacrifício de ficar calado. ― concordou o rico, vendo que não tinha alternativa senão sucumbir à chantagem.
E assim aconteceu. Muita gente importante de Khabab e de outros lugares do Governadorato de Houran estava presente na casa do comerciante, que oferecia um suntuoso banquete em honra a um estranho muito posudo e cheio de trejeitos. O anfitrião sentava numa das cabeceiras de uma longa távola retangular, enquanto que o homenageado estava acomodado na outra. Eventualmente este soltava uma pilhéria àquele, dizendo em voz alta que não iria se servir dos charutos de folha de repolho ou de coalhada por não lhe assentarem bem à barriga…
O anfitrião baixava a cabeça envergonhado, mas nada dizia. Estava completamente à mercê de um estranho. Teve uma idéia. Encerraria o jantar (e, por conseguinte aquele suplício) com um brinde, exaltando as “qualidades” do estranho, de modo a deixá-lo satisfeito. Levantou-se e começou a bater numa taça com uma colher. Ao ouvir o titilar produzido, toda aquela gente fez silêncio e dirigiu suas atenções aos protagonistas da festa. O anfitrião pigarreou e começou a falar:
― Prezados amigos, chamei-os hoje a minha casa e a minha mesa por um motivo muito especial. Hoje comemos e bebemos com um estranho. Um forasteiro de paragens desconhecidas que…
Antevendo uma desgraça, o forasteiro levantou-se e interrompeu o brinde dizendo:
― Senhoras e senhores, o que o nosso anfitrião está querendo dizer é que hoje comemos e bebemos aqui reunidos, mas não é em minha honra. Todos vocês conhecem seu lado comerciante, mas a verdade é que comemos e bebemos em homenagem aos ruidosos peidos que ele é capaz de soltar na frente de estranhos! Por que você não solta um agora?
Todos começaram a gargalhar. A vergonha se abateu sobre o anfitrião, que levantou a cabeça e a voz para dizer:
― O que vocês não sabem, é que este forasteiro estranho não passa de um chantagista que quer que eu vá para o Brasil pra tomar conta do comércio de Khabab! Eu serei o último dos khababis a ir pra Floriano! Podem rir, mas não deixei meu lar por causa dos turcos e não vou deixá-lo por causa deste forasteiro!
Todos pararam de rir diante da coragem do comerciante. A verdade é que todos tinham parentes no Brasil, fugidos da guerra, mas ele não. Era um patriota convicto. Embaraçados com a situação os convidados saíram silenciosamente, admirando a lição de moral recebida. O forasteiro, que não sabia das migrações para o Brasil e não entendeu direito o que se passara soltou:
― Pode ser corajoso, mas ainda é um peidão!
Um dos convidados virou-se para o forasteiro e disse:
― Cale sua boca jovem! Será que você não entendeu que aqui somos todos peidões? Nós é que somos os covardes, pois não temos a coragem desse homem de bem de enfrentar inimigos cruéis! Há alguns anos ele enfrentou os malditos turcos quando ninguém teve essa ousadia. Mas hoje ele fez uma verdadeira façanha: enfrentou todos os fidalgos da cidade. Gente rica, de posses e de pose. ― finalizou sentenciando: ― A sociedade pode ser muito pior que os otomanos e é bom ter isso em mente sempre.

sábado, 27 de março de 2010

Tá reclamando do quê?

Infelizmente, o que vou dizer aqui é a verdade!!! E ouvir a verdade é bom!!
Tá reclamando de quê?!?!?! Coloque a mão na consciência!
Tá reclamando do Lula? do Serra? da Dilma? do Arrruda? do Sarney? do Collor? Do Renan? Do Palocci? do Delubio? Da Roseana Sarney? Dos políticos municipais? E você?

Brasileiro reclama de quê?

O Brasileiro é assim:

1. - Saqueia cargas de veículos acidentados nas estradas.

2. - Estaciona nas calçadas, muitas vezes debaixo de placas proibitivas ou bloqueia as rampas dos cadeirantes da Praça Sebastião Martins ou dos Bancos.

3. - Suborna ou tenta subornar quando é pego cometendo infração.

4. - Troca voto por qualquer coisa: areia, cimento, tijolo, dentadura.

5. - Fala no celular enquanto dirige.

6. -Trafega pela direita nos acostamentos num congestionamento.

7. - Para em filas duplas em frente às escolas.

8. - Viola a lei do silêncio.

9. - Dirige após consumir bebida alcoólica.

10. - Fura filas nos bancos, utilizando-se das mais esfarrapadas
desculpas.

11. - Espalha mesas, churrasqueira nas calçadas e liga o som nas alturas.

12. - Pega atestados médicos sem estar doente, só para faltar ao
trabalho.

13. - Faz "gato" de luz e de água (em Floriano é tigre, pantera, leão...)

14. - Registra imóveis no cartório num valor abaixo do comprado,
muitas vezes irrisórios, só para pagar menos impostos.

15. - Compra recibo para abater na declaração do imposto de
renda para pagar menos imposto.

16. - Muda a cor da pele para ingressar na universidade através
do sistema de cotas.

17. - Quando viaja a serviço pela empresa, se o almoço custou 10
pede nota fiscal de 20.

18. - Anda de moto sem capacete ou com mais de um passageiro.

19. - Estaciona em vagas exclusivas para deficientes.

20. - Adultera o velocímetro do carro para vendê-lo como se
fosse pouco rodado.

21. - Compra produtos pirata no mercado central ou na calçada da Caixa Econômica com a plena consciência de que são piratas.

22. - Substitui o catalisador do carro por um que só tem a casca.

23. - Diminui a idade do filho para que este não pague passagem na hora de viajar de ônibus.

24. - Emplaca o carro fora do seu domicílio para pagar menos IPVA.

25. - Freqüenta os caça-níqueis e faz uma fezinha no jogo de bicho.

26. - Leva das empresas onde trabalha, pequenos objetos como clipes, envelopes, canetas, lápis.... como se isso não fosse roubo.

27. - Comercializa os vales-transporte e vales-refeição que recebe das empresas onde trabalha.

28. - Falsifica tudo, tudo mesmo... só não falsifica aquilo que ainda não foi inventado.

29. - Quando volta do exterior, nunca diz a verdade quando o fiscal aduaneiro pergunta o que traz na bagagem.

30. - Quando encontra algum objeto perdido, na maioria das vezes não devolve.

31. Jogo o lixo em qualquer lugar e depois não quer que se tenha um monte de ratos, baratas, moscas, mosquitos e outros vetores invadindo as nossas casas, transmitindo doenças como a leptospirose, peste bubônica, cólera, verminoses, febre tifóide, dengue, malária e outras, e culpa o governo por isso.

32. Joga o lixo nas ruas e não quer que o bueiro da Av. Eurípedes de Aguiar fique entupido; deixa o lixo nas prainhas do Barão, do Regatas e da Manga e quer praia limpinha no outro dia.

33. e muitas coisas a mais... a lista é grande!!!!!!!!!!

E quer que os políticos sejam honestos...

Escandaliza-se com a farra das passagens aéreas...

Esses políticos que aí estão saíram do meio desse mesmo povo ou não?
Brasileiro reclama de quê, afinal?

E é a mais pura verdade, isso que é o pior! Então sugiro adotarmos uma mudança de comportamento, começando por nós mesmos, onde for necessário!

Vamos dar o bom exemplo!

Espalhe essa idéia!

Fala-se tanto da necessidade deixar uma Floriano melhor para os nossos filhos e esquece-se da urgência de deixarmos filhos melhores (educados, honestos, dignos, éticos, responsáveis) para a nossa boa Floriano, através dos nossos exemplos...

Amigos, a mudança, pra surtir o efeito desejado, tem que ser de dentro pra fora.
Deve começar dentro de nós, das nossas casas, dos nossos valores, a partir das nossas atitudes!

Só assim veremos uma Floriano Forte e Honesta!

Deixo meu abraço forte para quem não faz o que tem nessa lista!

BANHO DE RIO É “BERIGOSO”




Nos anos cinqüenta, já existia esse mesmo calor que hoje aflige os dias florianenses. Para conseguir superá-lo, as famílias se reuniam em rodas nas calçadas, formadas por frescas cadeiras de espaguete ou por confortáveis espreguiçadeiras de madeira e tanga, dispostas de maneira circular. É realmente lamentável o abandono deste costume por causa da violência e da televisão, que transformam Floriano numa cidade cada vez mais impessoal.
Nas rodas, costumava-se conversar sobre o calor e sobre a ausência ou o atraso da famosa chuva dos cajus, enquanto se saboreavam refrescos de frutas da época ou o delicioso sorvete de bacuri do bar Sertã, que vinha com línguas da fruta congeladas.
Via de regra, de setembro a dezembro, a temperatura alcançava até 42ºC e exatamente por isso, se falava (e ainda hoje se fala) no calor do “bê-erre-ó-bró”.
Obviamente, o colóquio de calçada era um hábito de fim de tarde, logo depois da missa do sisudo Padre Pedro Oliveira, que acontecia às cinco horas, pontualmente.
Para espantar o pior calor, que era aquele do começo da tarde, o florianense que dispunha de mais tempo refrescava-se nas águas do Velho Parnaíba.
Assim, por volta das duas horas da tarde, a fina flor estudantil da sociedade estava de pernas de fora no cais do porto, para desespero de Padre Pedro. Nos sermões ele denunciava tal prática “libidinosa”, dizendo que a nudez no Velho Monge estava corroendo a melhor juventude da sociedade, e que, em dez anos, não haveria expoentes sociais.

Esse combate verbal diário obviamente surtia algum efeito nas mentes maternas das beatas, que proibiam os filhos (e as filhas, especialmente) de irem nadar ou tomar sol no rio.
Mas o banho era gostoso e refrescante. Apesar das pressões eclesiásticas e familiares, os jovens escapavam para o Parnaíba sempre que podiam, bolando diversos planos para contornar o problema da proibição. Quem era mais velho arquitetava a desculpa e ainda tinha que “engabelar” o mais novo para não ir junto e para não delatar.
Ora, a grande maioria dos imigrantes árabes também era católica, freqüentadora assídua das missas de Padre Pedro e seguidora de seus sermões e conselhos.
Havia, pois, um casal árabe, muito tradicional no comércio e na cultura, que tinha um negócio na Rua São Pedro, próximo ao prédio do Tradicional Floriano Clube. O marido era um senhor bonachão de meia altura, muito servidor e a mulher era uma respeitável senhora síria, muito branca e séria, mas muito amorosa e atenciosa com seus filhos.
Obviamente, essa família protagoniza diversas histórias do folclore Esfiha com Cajuína, pois deteve forte peleja com o comércio, sitiado no mesmo lugar durante muitos anos, onde se comprava e se vendia de um tudo. O estoque incluía desde linhas diversas e material para artesanato até instrumentos de carpintaria e lavoura.
Uma dessas histórias conta que para escapar do calor, o filho mais novo desse casal, resolveu aproveitar as frias águas do Parnaíba para um gostoso banho.
Na saída, sua mãe perguntou:
― “Iá habibi, fila” meu! “Iá” querido, você vai “bra” onde?
A resposta foi sincera:
― Vou banhar no rio, mamãe.
E eis que apareceu do cérebro materno uma maneira de explicar ao filhote o pecado instituído por Padre Pedro e, ao mesmo tempo, sincretizá-lo com o tradicional fatalismo árabe:
― Vai banhar no rio não, “iá habibi”, que é pecado! Rio é fundo, tem muita água e tem também boqueirão “berigoso”, onde tem pedra e menino pensa que é rasinho. Na verdade tem alçapão que “brende” menino e você morre afogado e volta chorando pra casa e eu te dou uma pisa!
Depois de tanta previsão de desastre, e como “kullo maktub” (tudo está escrito), a solução foi um gostoso banho de tina e cuia, com água fresquinha retirada do poço mesmo.

quarta-feira, 24 de março de 2010

UMA DOSE DE VENENO

Conta uma antiga história árabe-florianense que uma jovem recém-casada estava tendo problemas com a sogra. Para resolver o problema, decidiu que mataria a velha envenenada, mas temia ser descoberta e presa pelo delegado de Floriano na época, Major Carlino Nunes, famoso por castigar os criminosos com mão de ferro.
Ficou sabendo, numa conversa com amigas, de um carcamano famoso por ter trazido da Síria conhecimentos sobre como curar as mais diversas doenças. Sua “especialidade” era, sem dúvida, a ortopedia, pois reduzia fraturas com perfeição, mas também entendia de ervas, garrafadas, emplastros e chás. Usava esses conhecimentos para curar sem cobrar nada do “paciente”.
Nos idos dos anos 20, quando não havia acesso a medicina, as pessoas recorriam a quem pudesse lhes ajudar. Esse carcamano, chamado Milad Kalume, era uma dessas pessoas sempre dispostas a ajudar. Morava próximo ao mercado central (atual praça Coronel Borges), onde a afluência de transeuntes era intensa e onde costumava acudir de bom grado quem lhe pedisse socorro. Suas curas eram incríveis. Verdadeiras façanhas terapêuticas aconteceram através das mãos de “seu” Milad, de modo que os brasileiros achavam que seu nome era “Milagre” Kalume.
E por isso que a jovem foi procurar “seu” Milad. Ao encontrá-lo, nem sequer se apresentou, indo direto ao ponto:
― Senhor Milad, preciso da sua ajuda. Casei-me recentemente e não suporto a minha sogra! Ela é horrível. Não consigo acreditar que meu marido, que é uma pessoa tão doce, saiu de dentro dela. Ela é uma verdadeira jararaca. Intromete-se em todos os meus assuntos conjugais. Seria melhor se aquela velha morresse e me deixasse em paz com o filho dela. Por isso vim aqui. Quero que o senhor me dê um preparado de ervas que a mate de maneira rápida e que não levante suspeitas sobre mim. Preciso de um veneno realmente forte.
Surpreendentemente, ao invés de repreender a jovem e revoltada nora, “seu” Milad disse, naquele português rebuscado e com um leve sotaque árabe:
― Eu tenho exatamente o que você precisa, “iá habiba”. Um veneno muito “botente”, feito de ervas que eu trouxe da Síria. Não tem sabor e não deixa rastros na corrente sanguínea. Todavia, mata muito lentamente que é para não se levantarem suspeitas. A “bessoa” que o tomar diariamente misturado na comida, sentir-se-á forte num primeiro momento e depois, paulatinamente, há de ficar cada vez mais fraca, simulando uma doença séria, para a qual não há diagnóstico. Vai chegar o dia em que simplesmente a alegria vai embora e a “bessoa” morre sem acusar o envenenador.
― E eu vou ter que esperar muito? ― perguntou a jovem. Seu Milad sentenciou:
― É “breciso” ter paciência, minha cara, pois o efeito do veneno é acumulativo e só piora com o passar do tempo. Mas, para garantir que ninguém desconfie de ti, trata a tua sogra com respeito, paciência e carinho. Se ela começar uma briga, fica calada e espera o dia em que o veneno vai te dar consolo. Faz as vontades dela e prepara a comida dela todos os dias. Oferece para ela chás, café e refrescos e neles coloca um pouquinho do veneno. “Te faz” de amiga atenciosa e ouve sempre o que ela tem a dizer. Procura resolver problemas para ela. “Te faz” presente e vê todos os dias o veneno fazer o efeito desejado.
A jovem ouviu com atenção e foi para casa com pressa para por em prática o plano arquitetado pelo árabe.
Todos os dias dava atenção à sogra, fazendo-lhe pessoalmente o prato e tratando-a com respeito e carinho dissimulados, para ir colocando sempre na comida dela doses pequenas do veneno dado por “seu” Milad.
E aconteceu como o árabe previra. A sogra passou cerca de cinco meses mais forte do que nunca, até que, entrando no sexto mês, a velha acamou-se com uma doença misteriosa, que lhe deixara febril e com uma forte diarréia.
Ao ver a sogra muito mal, a jovem preocupou-se. Naquele tempo em que tratara a sogra de maneira dissimuladamente carinhosa, aproximara-se dela, conseguindo enxergar o que o rancor não lhe permitia. No fundo, a sogra era uma boa pessoa. As brigas aconteceram simplesmente porque a necessidade de ter que repartir a atenção do filho com outra mulher, mais jovem e exógena, incomodaria qualquer mãe.
Percebendo que já gostava muito da sogra, a jovem se desesperou. Como poderia deixar a mãe de seu marido simplesmente morrer envenenada? Que traição mais cruel, essa que ela planejara! Resolveu procurar o carcamano mais uma vez. Ele haveria de ter um antídoto tão potente quanto o veneno.
Logo que “seu” Milad a viu, foi logo perguntando se a velha já tinha ido para o inferno.
Ela lhe contou o problema. Falou-lhe que a velha esteve mais forte do que nunca durante um tempo e que, de repente, caiu acamada, com febre e disenteria. Disse-lhe do seu arrependimento em querer matar a sogra e suplicou ao árabe que lhe desse um antídoto o mais rápido possível.
O carcamano caiu na gargalhada. Quando se recompôs, segurou as mãos da jovem e disse olhando-lhe nos olhos:
― Minha cara, o veneno estava no teu coração. Aquilo que eu te dei para ser misturado na comida de tua sogra eram vitaminas. O melhor antídoto é o amor e esse eu te ensinei a administrar no dia em que me procuraste. Vai pra casa e faz um chá de olho de goiaba para tua sogra que ela está é com dor de barriga mesmo.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O TERNO DO MATUTO

Chegara a época do Natal na áurea e comercial Floriano do início dos anos sessenta. Os árabes tinham bons motivos para adorarem as festividades da chegada do Menino Jesus. Em primeiro lugar estava a alegria da liberdade de culto no Brasil. Podiam professar sua fé católica livremente, sem medo de invasores turcos ou agressores mulçumanos. E em segundo lugar, logicamente, estava o aquecimento comercial que as festas de fim de ano geravam na região da Princesa, que era um pólo mercantil regional.
Muitas famílias vinham a Floriano para comprar. O sistema de crédito inventado pelos carcamanos era muito atraente. Nos idos daqueles anos sessenta, na Princesa do Sul, podia-se comprar para pagar com prazo de um ano! O dinheiro rolava grosso e, para aumentarem as vendas e os lucros, os árabes investiam alto em artigos finos nacionais e importados. Os estoques ficavam abarrotados, não havendo espaço para mercadorias de baixa qualidade, que eram pouco lucrativas. Na hora de se desfazerem desses produtos mais populares, os empórios da praça de Floriano competiam ferrenhamente. Os preços iam lá para baixo. Destacavam-se as liquidações da Casa Inglesa, das Casas Daher, das poderosas Pernambucanas, da democrática Casa do Michel, das Casas David Kreit (com matriz e filial uma de frente para a outra na Rua São Pedro), do sortido e chique Magazine Said, das tradicionalíssimas Casas das Linhas e, finalmente, das maiores e mais frequentadas Casa Salomão Mazuad e Cia. e Casa Calixto Lobo e Cia. Todas se desfaziam do estoque velho para vender somente artigos finos no Natal.
Salomão Mazuad era um dos carcamanos que mais fazia queimas e liquidações para liberar o estoque a fim de abastecê-lo exclusivamente com produtos de primeira linha.
Naquele fim de ano especificamente, Salomão tinha nos estoques somente tecidos bem fuleiros mesmo. Eram metros e metros de chitas numa estampa xadrez laranja ou verde horrorosa mesmo para a época. Era, contudo, um artigo muito popular para se fazer toalha de mesa. O desdobro do árabe era sempre o mesmo para cima do freguês sem noção:
― “Gombadre” compra tecido lindo que eu trouxe de Europa e bota “seu” casa “bra” ficar mais linda no Natal. Compra aqui “no meu lojinha” e fica mais chique pro Menino Jesus! ―e ia empurrando os tecidos devagarinho na clientela.
Havia aqueles matutos que vinham pra cidade fazer as compras de fim de ano com estilo. Compravam 20 metros de tecido de uma mesma fazenda, cor e estampa pra fazer bermudas, vestidos e camisas para os 13 ou 15 filhos. Com esses matutos típicos, Salomão fazia a festa. Dizia para o freguês:
― “Gompadre” Leva tudo do mesmo tecido pros teus meninos não brigarem. Bota a tua família pra ficar toda combinando. Na Europa, onde o povo é chique, até a roupa das crianças combina até com as cortinas que eles usam no lugar das portas.
E o freguês, identificando-se com a realidade da ausência de portas no interior de sua moradia, levava metros e metros do mesmo tecido.
Mas, por algum motivo, a conversa boa não estava colando com a tal fazenda xadrez de gosto duvidoso, de modo que o árabe resolveu fazer uma nova abordagem. Anunciava o tecido baixinho para o freguês, dizendo-lhe quase aos sussurros que era artigo finíssimo e que a tal fazenda era só para a família ou para pessoas muito queridas.
Um matuto casadoiro caiu na conversa. Chegou dizendo que ia casar no fim do ano pra começar vida nova no Ano Novo e declarou que queria o traje todo comprado no empório de Salomão Mazuad.

Os olhos de Salomão Mazuad faiscaram. Investigou se o matuto poderia pagar:
―Onde o compadre vai casar?
O matuto respondeu:
―Sou morador de uma das fazendas de Seu Mundico Castro. Vou casar por lá. Fica perto de Nova Iorque do Maranhão.
Salomão nem deixou o cliente terminar de explicar. Interrompeu-o dizendo:
― Tenho exatamente o que você precisa para casar em grande estilo. Trata-se de um tecido muito fino, chamado “casimira escocesa”, que é bem melhor que a casimira inglesa. Os escoceses são muito requintados e só usam roupa xadrez. É bem verdade que eles casam de saia, mas, se o compadre mandar fazer um terno nesse tecido, vai deixar o Maranhão inteiro de queixo caído.
O matuto caiu na conversa e fez a compra. Na saída, passou pelo alfaiate, que perguntou se o rapaz queria mesmo o terno naquele tecido. O rapaz respondeu:
― Eu sei que é coisa muito boa e que o terno eu só vou usar uma vez, mas ao menos a calça eu aproveito. Pode fazer.
O alfaiate riu da inocência daquele maranhense, mas fez-lhe a vontade.
Acontece que o tecido encolheu muito com a primeira lavagem e a calça ficou “pegando marreco” (curta). Vestindo a calça, o matuto, já casado,tomou o rumo de Floriano. Quando chegou na sede das Fazendas Reunidas encontrou Mundico Castro e explicou-lhe o ocorrido. O fazendeiro esclareceu o matuto, dizendo que ele tinha direito de reclamar com o carcamano.
Salomão Mazuad viu a tal conversa de longe. Vendo que o freguês voltava da prosa fumaçando, e prevendo a confusão, não contou conversa. Na hora que o homem entrou na loja ele fez a festa costumeira, enquanto dava-lhe simpáticos tapinhas nas costas e dizia:
― Compadre, a vida de casado lhe fez muito bem! Como você cresceu!!
E há quem diga que o astuto “florianense” Salomão Mazuad ainda vendeu mais do mesmo tecido para o tal matuto. Dessa vez para fazer as cortinas da casa nova.

NÃO ME SUJAREI POR MINXARIA!


No início dos anos 40, os banheiros florianenses ainda não contavam com esse fabuloso sistema hidráulico que leva os dejetos às fossas sépticas ou diretamente aos esgotos sanitários de que dispomos hoje em dia. Não existia o conforto das suítes. Todas as pessoas, educadas ou não, ricas ou pobres, faziam uso de penicos para suas necessidades fisiológicas noturnas.
Durante o dia, contudo, as pessoas contavam com um anexo afastado de suas residências, geralmente no quintal, que era popularmente conhecido como “casinha”.
Tratava-se de um pequeno quartinho, de pouco mais de 1m², que contava com uma única porta frontal, sendo desprovido de janelas ou basculantes ou qualquer outro recurso que propiciasse o mínimo de ventilação. Essas instalações eram construídas sobre um fosso, que se comunicava com o interior apenas por uma abertura no formato de fechadura, cuidadosamente confeccionado sobre um assoalho de laje, pedra ou madeira.
Obviamente, fazer o “serviço” de cócoras naquele ambiente abafado e claustrofóbico não era um dos maiores prazeres da vida. Ainda pior era se o fosso estivesse cheio, pois seu conteúdo literalmente fervilhava, ao passo que o mau cheiro insuportável impedia o usuário da casinha de respirar adequadamente.
Muita gente ainda ousava chamar aquela latrina de toalete, acreditando que o galicismo tornaria menos sórdido aquele ambiente desagradável.
Os árabes de Floriano, por sua vez, dispunham de penicos de todos os tipos e tamanhos, que eram facilmente encontrados, a preços módicos, em qualquer casa comercial da Rua São Pedro. Para as necessidades diurnas, contudo, a tal casinha era, invariavelmente, utilizada à mesma maneira brasileira.
Certa vez, um bem estabelecido mercador carcamano, extremamente conhecido por sua vaidade, “visitou” o tão mal falado Lajeiro, que era a conhecida zona do baixo meretrício florianense. A finalidade do passeio era uma noitada completa, que incluía a obtenção de favores sexuais de uma das profissionais que faziam ponto lá e, em seguida, uma galinha ao molho pardo para repor as energias gastas em tais atividades.
Assim, o tal carcamano, que sempre vestia ternos alvíssimos do conhecido linho “york street”, aprontou-se todo para a tal noitada, suspirando pela cocote e pela famosa galinha ao molho pardo de D. Madalena, que só era servida nas altas horas da madrugada para seus clientes VIP.
E assim aconteceu. A atividade “horizontal” o deixara tão esfomeado que nem degustou direito a tal galinha. Simplesmente ia engolindo fartos pedaços com muito arroz e farofa feita com o mais refinado óleo de babaçu da região. Apesar de esganado, tomou todo cuidado para não manchar seu precioso traje.
Ao fim da refeição, o carcamano estava tão satisfeito que nem pechinchou o preço da noitada. Com um grande arroto despediu-se da jovem e pôs-se a andar de volta para casa, observando as estrelas e pensando em como a vida no Brasil lhe era boa.
Após alguns instantes de passeio, o óleo de babaçu começou a fazer aquele efeito esperado pelo leitor atento e o árabe começou a apertar o passo. Contudo, quanto mais se apressava, mais a barriga lhe doía. Por fim, logo ao passar pelo portão de casa, deixou escapar um daqueles flatos úmidos que tanto caracterizam a temida diarréia. Adentrou na casinha tão apressadamente para não sujar de vez o “york street”, que nem reparou, ao abaixar as calças e dar a primeira aliviada, que uma cédula novinha de dez mil Réis* caíra-lhe de uma da algibeiras direto na latrina.
Deu uma segunda aliviada, e uma terceira logo em seguida, que precedeu a quarta e última, quando o dia já corria claro e já era possível ouvir o ruído dos transeuntes na rua.
Quando começou a se limpar, o carcamano reparou que, em meio àquele líquido pastoso e bege, jazia a nota de dez mil réis.
Lamentou a perda do dinheiro, concluindo que não valia a pena sujar-se por apenas dez mil réis.
Foi ali que teve a idéia: visando o prejuízo em forma de cédula, sacou dos bolsos do paletó uma cédula de um conto de réis e a jogou junto da outra exclamando para si:
― Não dá pra sujar as mãos por míseros dez “merréis”, mas por mais de um conto de réis dá pra sujar até a cara! ― e catou as duas cédulas com toda a classe do mundo.

*O advento do cruzeiro só aconteceu em 1942.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A CABELA DELA

Certa vez, eu, meus irmãos e papai fomos jogar bola no espaçoso quintal de nossa casa. Ainda é como era naqueles dias que já se foram há vinte anos: uma bela quinta, de areia branca e fina, com uma frondosa mangueira que nos fazia sombra durante as brincadeiras infantis. Colocamos, pois, um par de alvenarias de cada lado de nosso campo simulando as traves e começamos a brincar de tocar a bola. Papai estava recém operado de ponte-de-safena, mas o esforço e a descontração eram prescrições do médico. Ele estava muito feliz e disposto naquela tarde. Estávamos todos descalços e sem camisa, trajando apenas bermudas de tecido leve. Meus dois irmãos mais velhos, David e Oka (que têm apenas um ano de diferença na idade entre si) estavam naquela fase adolescente de competir por tudo. Jogavam acirradamente e, por vezes, com alguma violência num passe ou numa bola dividida. Eu devia ter uns 7 anos apenas e, por ser novo demais, eles meio que me deixavam de fora dos passes, alegando que eu era “café-com-leite”. Papai intervinha pacientemente. Corria, tomava a bola e driblava um deles para tocar pra mim e me ver participando. Isso se repetiu várias vezes naquela tarde e em outros jogos. Mas papai não tinha tanto talento para o futebol quanto tinha para a Odontologia, de modo que, eventualmente, ele fazia um passe ou um toque “bola murcha”. Ria da própria “perna de pau” com altas e gostosas gargalhadas. O Oka Júnior, que é o mais velho, mangava acintosamente, pois era mais ágil. David era menos habilidoso, pois era mais cevadinho e, invariavelmente, era dele de quem papai roubava a bola. Num desses lances, para não ficar por baixo, David deu um senhor bico na canela de nosso genitor, que, de dor, exclamou bem alto uma frase em árabe (hoje eu sei que foi um palavrão bem cabeludo) e disse mancando:
― Meu filho, você quase arrebenta a perna do papai!
Corri ao encontro dele preocupado. Afobadamente perguntei:
― Machucou, papai? Se machucou, a mamãe dá um beijo e a dor vai embora…
Ele se desmanchou na hora e disse me pegando no colo e me dando um cheiro no cangote, apesar do meu suor:
― Meu príncipe lindo! Machucou não, mas “arrancou a cabela dela”!
Os manos enciumaram:
― Aduladorzinho! Aduladorzinho!
Não prestei atenção para o despeito deles. Com a curiosidade atiçada perguntei:
― Pai, o que é “a cabela dela”?
Meus irmãos, mais velhos, pensaram malícia e riram entre si.
Mas papai resolveu-nos ensinar qualquer coisa que nos servisse. Perguntou:
― Vocês sabem quem foi o primeiro árabe que veio a Floriano? ― diante da negativa, continuou ― Foi um parente nosso chamado Antun Gibran Zarur. Ele veio pro Brasil e colocou a primeira padaria de Floriano.
Eu viajei na maionese. Na minha inocência, pensava que a primeira panificadora de Floriano tinha sido a Ypiranga, do meu tio Nonato e da minha tia Jeane. Perguntei:
― Esse Zarur é avô do tio Nonato?
Okinha entendeu ligeiro:
― Seu burrinho, a primeira padaria não foi a “Ypiranga”, a primeira padaria foi a “Recife”!
David interrompeu:
― Burro é tu, Oka! A primeira padaria foi a “Casa do Pão”!
Papai riu compreensivamente da inocência de sua prole e apaziguou-nos:
― Ninguém é burro! Vou explicar e vocês vão entender. O avô do tio Nonato era um carcamano chamado Zacarias Haddad e ele colocou o primeiro cinema do Piauí. Mas a primeira padaria foi Antun Zarur quem abriu. Ficava na esquina do calçadão e fez muito sucesso na época.
Eu perguntei a papai, com meu restrito vernáculo infantil, porque o Pioneiro escolhera uma padaria em detrimento de uma loja de tecidos, como todos os outros imigrantes que vieram em seguida. Papai respondeu com mais informações:
― Quando esse carcamano veio da Síria em 1889, passou pela França. Chegando lá, viu a construção da Torre Eiffel, que foi inaugurada no mesmo ano em que ele chegou aqui. Também conheceu o pão francês. Como ele era uma pessoa muito inteligente, aprendeu a fazer esse pão e trouxe a receita pra Floriano. Aí ele abriu a padaria e ficou muito rico e começou a trazer os parentes dele que tinham ficado na Síria. Foi assim que a colônia árabe de Floriano começou.
Eu estava encantado com a história esclarecedora, mas perguntei com algum atrevimento:
― E o que tem haver esse Zarur com “a cabela dela”?
Papai lembrou-se então porque iniciara a história do Zarur e continuou:
― Eu conheci um parente desse pioneiro. Ele se chamava Gabriel e era um homem muito brincalhão. Adorava fazer graça com os outros carcamanos e com os brasileiros. Tem muita história engraçada dele e essa história de “cabela dela” é invenção dele. Ele contava que tinha ido caçar jacu na roça com um conterrâneo dele chamado Jacob Demes. Os dois gostavam de competir como o Okinha e o Davizinho e, quando um perdia, o outro caçoava. ― interrompi a narrativa:
― Papai, o que é Jacu?
― Jacu é um bicho de carne exótica e de sabor diferente, mas muito apreciado, pois é difícil de caçar devido a sua grande agilidade. Mas, continuando a história, posso dizer que os dois carcamanos faziam silêncio pra não tanger os bichos. Enfim, resolveram se separar para abranger uma área maior, quando, de repente, ouviu-se um tiro seco na mata e um grito. Jacob Demes procurou Gabriel com os olhos e o encontrou no chão com a espingarda fumegante nos braços. Preocupado, buscou por machucados no companheiro. Quando viu que Gabriel tropeçara em arbustos, Jacob perguntou com desdém:
― Acertou Jacu, Gabriel?
Com a arma ainda quente, e esfregando a mão na bunda, que doía da pancada, Gabriel se levantou desajeitadamente e respondeu sem perder o rebolado:
― Não, Jacob, mas arranquei a cabela dela!
Papai riu sozinho da história, ao passo em que se admirava do fato destas “expressões” de carcamanos já fazerem parte do vocabulário da nossa cidade, mesmo sem ninguém saber o porquê. Finalmente, a brincadeira acabou quando ouvimos o grito de minha mãe, que berrava a plenos pulmões, da cozinha, que fôssemos os quatro tomar banho, que estávamos muito sujos e já estava na hora da merenda.