segunda-feira, 25 de outubro de 2010

SABEDORIA SALOMÔNICA


Certa vez comentou-se em Floriano sobre a origem da sabedoria de seu Salomão Mazuad. Teria ele nascido com aquela astúcia? Teria herdado tamanha sabedoria do rei de Israel, juntamente com o primeiro nome? Ou algum episódio lhe ocorreu que o obrigou a ser perspicaz? Não se sabe. O certo é que ele já teria vindo da Síria, sua terra natal, com aquele atilamento de bom vendedor, pois existe no folclore Esfiha com Cajuína uma história que lhe teria acontecido no navio em que imigrou para o Brasil.
Eram idos do começo do século XX, quando o então jovem Salomão decidiu aventurar-se em terras onde não existia o ódio turco. É certo que, na 1ª Guerra Mundial, o domínio dos turcos sobre a Síria foi uma verdadeira peste negra. Os dominadores queimavam vilas, fuzilavam os jovens da resistência e fechavam os poços artesianos das aldeias a fim de privar-lhes de água potável. Os mantimentos eram saqueados, assim como qualquer pertence de valor que o camponês ousasse possuir. O rebanho era abatido e as colheitas utilizadas para alimentar os soldados. Os rapazes eram compulsoriamente alistados no exército turco, de modo que muitos jovens deixaram o conforto de suas famílias para combater em favor de um exército conquistador.
Tudo isto sem considerar-se a barreira religiosa. Os turcos eram otomanos (como, aliás, grande parte do mundo árabe de então). As poucas cidades católicas da Síria viram-se seriamente ameaçadas por um inimigo tão cruel, que não poupava nem os irmãos de religião. É de se imaginar a desgraça que poderia acontecer se cidades católicas como Maalula e Khabab fossem conquistadas pelos turcos otomanos. E justamente por isso essas duas cidades começaram a exportar jovens para as Américas. Muitos foram para os EUA. Outros tantos foram para o Chile e a Argentina. Mas, sem dúvida, a grande maioria dos rapazes dessas cidades optou por Floriano como abrigo seguro contra os turcos.
Para ferir mais ainda o orgulho sírio, todos os documentos oficiais daquela época possuíam o timbre oficial da Turquia e os brasileiros invariavelmente tratavam os portadores de tais documentos de turcos. Um verdadeiro acinte! Uma afronta desditosa! Era muita humilhação que o sírio de então tinha de enfrentar! Mas não Salomão Mazuad. Era-lhe preferível a aventura do desconhecido em liberdade do que a luta armada sem idealismo e em favor de um inimigo cruel. Juntou algumas parcas economias e cobriu-se de muita coragem para embarcar num navio a vapor rumo às Américas. Nessa viagem, possuía somente poucas mudas de roupas acomodadas numa pequena mala e cerca de 5.000 réis em espécie, economizados para dar início à nova vida em terras americanas e muito bem guardados num pacote cuidadosamente preparado.
A viagem costumava durar várias semanas. Lá pelo quinto dia de viagem, uma tragédia aconteceu. O jovem aventureiro perdeu todas as suas economias. O desespero bateu. Como era possível que um árabe atinado perdesse a importância de 5.000 réis? Procurou o pacote pelo navio inteiro, mas não encontrou nem vestígio. Nenhuma pista conduzia ao dinheiro ou a um possível larápio. Como alguém poderia ter-lhe roubado o dinheiro se ninguém, além dele mesmo, sabia do conteúdo do pacote? Pensando bem, devia ter deixado o pacote cair em algum lugar. Mas como encontrá-lo? O jeito seria chamar o capitão da embarcação e comunicar-lhe o fato. Muito solícito, o comandante disse-lhe que a única solução plausível seria divulgar o desaparecimento do pacote e ofertar uma recompensa a quem o encontrasse. E Assim fez Salomão Mazuad. Divulgou que tinha perdido um pacote de dinheiro e que daria a metade a quem o encontrasse. Não demorou muito, apareceu-lhe um jovem turco com os 5000 réis. O sírio contou o dinheiro calmamente e anunciou de uma maneira muito judiciosa:
— Meu caro amigo, fico muito feliz que tenhas achado a “metade” do dinheiro que perdi. Contudo esta é a “minha” metade. Podes agora sair e procurar a tua metade, antes que outro alguém a encontre!
E assim Salomão Mazuad teve sua vingança turca!

domingo, 3 de outubro de 2010

O JUMENTO DE SEU SALOMÃO




Não se sabe bem o motivo, mas apenas uma única família árabe foi para o Barão de Grajaú. Naquelas terras maranhenses, o clã Cury-Rad se firmou com um sortido empório, de onde tirava o sustento. O cabeça da família se chamava Issa Cury-Rad, mas no Brasil, adotou o nome de João. Teve dois filhos: Salomão (em homenagem ao compadre Salomão Mazuad) e a pequena Salomé Cury-Rad.
O velho João amealhou grande fortuna. Passado algum tempo no Brasil, já era senhor de terras e de gado. Seus filhos cresceram saudáveis no salutar ambiente dos anos 30 e 40 de Barão de Grajaú.
A jovem Salomé casou-se com um rapaz garboso da tradicionalíssima família Costa e Silva chamado Fabrício, e o jovem Salomão Cury-Rad casou-se com uma belíssima moça da família Benvindo da Fonseca, de Jerumenha.
Com a morte do velho, Salomezinha e o marido continuaram no Barão de Grajaú, tomando conta dos negócios da família, mas Salomão foi para o interior do Maranhão, onde tinha várias fazendas e onde, posteriormente, entrou para a política. A cidade se chamava João Lisboa.
Salomão Cury-Rad era um homem simples, mas cheio de vida. Seu bom humor era famoso, mas quando se via numa situação pitoresca, suas tiradas eram ácidas e sempre resultavam em interessantes histórias.
Conta-se, por exemplo, que tinha um jardim aberto, com um gramado sempre verde e bem cuidado, onde se sentava todas as tardes para ver os transeuntes e o movimento da rua.
Ali passava o tempo ocioso, ouvindo rádio ou no conversê com os peões e caboclos de suas fazendas. Também recebia seus contatos políticos naquele gramado, onde tomavam decisões eleitorais importantes sentados em gostosas e confortáveis cadeiras de espaguete. Como era chefe político e mandava sozinho e sem oposição, ganhou o apelido de “Galo Velho”.
Salomão Cury-Rad também tinha suas excentricidades, como criar um bode como se fosse um cachorro. Batizou o animal de Bito e o tratava com muitas regalias, dentro de casa, inclusive, estalando os dedos e chamando-lhe pelo nome repetidamente, como a um cachorrinho treinado.

Assim, sentava-se nas cadeiras de espaguete com as pernas estiradas sobre o dorso macio de Bito, enquanto o animal pastava do gramado verde.
Naquele tempo, o veículo mais popular era, sem dúvida, o jumento. A “frota” asinina de João Lisboa era enorme. Muitos jumentos andavam soltos pelas ruas da cidade e, invariavelmente, adentravam nos terrenos baldios, nas quintas, nos pequenos sítios que margeavam o município e nos jardins das casas abertas. Sempre comiam as plantas verdes e deixavam aquele “rastro” malcheiroso de estrume novo.
Salomão Cury-Rad literalmente odiava quando algum jumento entrava em seu gramado, pois sempre o animal se servia da capim que era exclusividade de Bito e ainda fazia cocô onde ele gostava de passar o fim de tarde.
Certa vez, chegou em casa e encontrou um jumento branco pastando no jardim. Resmungou bastante, e chamou um de seus trapizombas para retirar o animal. Enquanto esperava a vinda do jagunço, buscou a cadeira de espaguete e o dorso de Bito para descansar as pernas.
Era tempo de política e, antes que o feitor aparecesse, chegou um matuto se dizendo seu eleitor. O “Galo Velho” ouviu o problema do camponês que disse:
― Seu Salomão, eu tô carecendo muito de um jumento novo, causa de quê eu tinha uma jumentinha que me ajudava lá no sítio, mas ela morreu no parto. Ela me era de muito auxílio, pois trazia no lombo as coisas do sítio pra eu vender aqui na cidade. E eu contava com o jumentinho que ia nascer pra me ajudar também, mas agora eu tou é sem nada.
Ouvindo isso, o olho do velho político teve um breve lampejo maquiavélico. Interrompeu a queixa do camponês dizendo:
― Calma, homem. Se o seu problema for só esse, estamos resolvidos. Leve este jumento branco aqui do meu jardim. Dou ele pra você com toda satisfação!
O tal eleitor ficou muito feliz com o presente que lhe solucionaria o problema. Beijou a mão do “Galo Velho” e saiu satisfeito puxando o jumento pelo cabresto.
Salomão ria da resolução feliz do seu problema e do problema do matuto.
O que aconteceu, porém, é que o tal eleitor era um homem trabalhador e, de fato, o seu sítio tinha alguma produção. Arrumou os insumos em grandes jacás e os colocou sobre cangalhas instaladas no lombo do burrico a fim de vendê-los no mercado central.
Assim que começou a vender, um homem alterado o abordou, alegando ser dono do jumento:
― Cabra safado! Então foi você quem roubou meu jumento!
O camponês trabalhador entrou na defensiva:
― Não senhor! Esse jumento nunca foi seu! Esse jumento era do meu padrinho, o seu Salomão Cury-Rad e foi ele quem me deu! Se for corajoso o suficiente, eu até vou lá com você “mode” tirar isso a limpo!
O acusador tremeu na base, mas topou o desafio.
Quando os dois chegaram no jardim, o velho político, já sabia do que se tratava a pendenga. O acusador escolhendo muito bem as palavras, se queixou para o velho, dizendo:
― Mas seu Salomão, como é que o senhor faz isso comigo? Por que o senhor foi se desfazer de meu jumento, se sou seu eleitor há tantos anos?
O velho interpelou:
― Se você quisesse jumento, não deixaria ele adubando a casa dos outros, cabra da peste! ― e, para não perder o eleitor, teve, de imediato, uma de suas astutas sacadas para resolver o problema. Apontando para um novo asno que lhe invadira o jardim, continuou: ― Mas, se você tá fazendo tanta questão por um jumento, leve aquele marronzinho que tá ali no meu jardim comendo da minha grama! Mas fique sabendo que só vou lhe dar ele porque você é meu eleitor antigo e pra você deixar de confusão!
No final da situação, se livrou do outro jumento, agradou os dois eleitores e ainda posou de justo.