quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O TERNO DO MATUTO

Chegara a época do Natal na áurea e comercial Floriano do início dos anos sessenta. Os árabes tinham bons motivos para adorarem as festividades da chegada do Menino Jesus. Em primeiro lugar estava a alegria da liberdade de culto no Brasil. Podiam professar sua fé católica livremente, sem medo de invasores turcos ou agressores mulçumanos. E em segundo lugar, logicamente, estava o aquecimento comercial que as festas de fim de ano geravam na região da Princesa, que era um pólo mercantil regional.
Muitas famílias vinham a Floriano para comprar. O sistema de crédito inventado pelos carcamanos era muito atraente. Nos idos daqueles anos sessenta, na Princesa do Sul, podia-se comprar para pagar com prazo de um ano! O dinheiro rolava grosso e, para aumentarem as vendas e os lucros, os árabes investiam alto em artigos finos nacionais e importados. Os estoques ficavam abarrotados, não havendo espaço para mercadorias de baixa qualidade, que eram pouco lucrativas. Na hora de se desfazerem desses produtos mais populares, os empórios da praça de Floriano competiam ferrenhamente. Os preços iam lá para baixo. Destacavam-se as liquidações da Casa Inglesa, das Casas Daher, das poderosas Pernambucanas, da democrática Casa do Michel, das Casas David Kreit (com matriz e filial uma de frente para a outra na Rua São Pedro), do sortido e chique Magazine Said, das tradicionalíssimas Casas das Linhas e, finalmente, das maiores e mais frequentadas Casa Salomão Mazuad e Cia. e Casa Calixto Lobo e Cia. Todas se desfaziam do estoque velho para vender somente artigos finos no Natal.
Salomão Mazuad era um dos carcamanos que mais fazia queimas e liquidações para liberar o estoque a fim de abastecê-lo exclusivamente com produtos de primeira linha.
Naquele fim de ano especificamente, Salomão tinha nos estoques somente tecidos bem fuleiros mesmo. Eram metros e metros de chitas numa estampa xadrez laranja ou verde horrorosa mesmo para a época. Era, contudo, um artigo muito popular para se fazer toalha de mesa. O desdobro do árabe era sempre o mesmo para cima do freguês sem noção:
― “Gombadre” compra tecido lindo que eu trouxe de Europa e bota “seu” casa “bra” ficar mais linda no Natal. Compra aqui “no meu lojinha” e fica mais chique pro Menino Jesus! ―e ia empurrando os tecidos devagarinho na clientela.
Havia aqueles matutos que vinham pra cidade fazer as compras de fim de ano com estilo. Compravam 20 metros de tecido de uma mesma fazenda, cor e estampa pra fazer bermudas, vestidos e camisas para os 13 ou 15 filhos. Com esses matutos típicos, Salomão fazia a festa. Dizia para o freguês:
― “Gompadre” Leva tudo do mesmo tecido pros teus meninos não brigarem. Bota a tua família pra ficar toda combinando. Na Europa, onde o povo é chique, até a roupa das crianças combina até com as cortinas que eles usam no lugar das portas.
E o freguês, identificando-se com a realidade da ausência de portas no interior de sua moradia, levava metros e metros do mesmo tecido.
Mas, por algum motivo, a conversa boa não estava colando com a tal fazenda xadrez de gosto duvidoso, de modo que o árabe resolveu fazer uma nova abordagem. Anunciava o tecido baixinho para o freguês, dizendo-lhe quase aos sussurros que era artigo finíssimo e que a tal fazenda era só para a família ou para pessoas muito queridas.
Um matuto casadoiro caiu na conversa. Chegou dizendo que ia casar no fim do ano pra começar vida nova no Ano Novo e declarou que queria o traje todo comprado no empório de Salomão Mazuad.

Os olhos de Salomão Mazuad faiscaram. Investigou se o matuto poderia pagar:
―Onde o compadre vai casar?
O matuto respondeu:
―Sou morador de uma das fazendas de Seu Mundico Castro. Vou casar por lá. Fica perto de Nova Iorque do Maranhão.
Salomão nem deixou o cliente terminar de explicar. Interrompeu-o dizendo:
― Tenho exatamente o que você precisa para casar em grande estilo. Trata-se de um tecido muito fino, chamado “casimira escocesa”, que é bem melhor que a casimira inglesa. Os escoceses são muito requintados e só usam roupa xadrez. É bem verdade que eles casam de saia, mas, se o compadre mandar fazer um terno nesse tecido, vai deixar o Maranhão inteiro de queixo caído.
O matuto caiu na conversa e fez a compra. Na saída, passou pelo alfaiate, que perguntou se o rapaz queria mesmo o terno naquele tecido. O rapaz respondeu:
― Eu sei que é coisa muito boa e que o terno eu só vou usar uma vez, mas ao menos a calça eu aproveito. Pode fazer.
O alfaiate riu da inocência daquele maranhense, mas fez-lhe a vontade.
Acontece que o tecido encolheu muito com a primeira lavagem e a calça ficou “pegando marreco” (curta). Vestindo a calça, o matuto, já casado,tomou o rumo de Floriano. Quando chegou na sede das Fazendas Reunidas encontrou Mundico Castro e explicou-lhe o ocorrido. O fazendeiro esclareceu o matuto, dizendo que ele tinha direito de reclamar com o carcamano.
Salomão Mazuad viu a tal conversa de longe. Vendo que o freguês voltava da prosa fumaçando, e prevendo a confusão, não contou conversa. Na hora que o homem entrou na loja ele fez a festa costumeira, enquanto dava-lhe simpáticos tapinhas nas costas e dizia:
― Compadre, a vida de casado lhe fez muito bem! Como você cresceu!!
E há quem diga que o astuto “florianense” Salomão Mazuad ainda vendeu mais do mesmo tecido para o tal matuto. Dessa vez para fazer as cortinas da casa nova.

Um comentário:

  1. Não sabia, rapaz, que vc tinha um blog.Lia muito as suas crônicas em jornais, no entanto, agora terei a grata satisfação de lê-lo através da mídia digital. Seu comentário foi complexo para um engenheiro, mas valeu. Coloque um contador de visitante na sua página.Abraços.
    Antonio Jose - Ze Doca (MA)

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