quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

NÃO ME SUJAREI POR MINXARIA!


No início dos anos 40, os banheiros florianenses ainda não contavam com esse fabuloso sistema hidráulico que leva os dejetos às fossas sépticas ou diretamente aos esgotos sanitários de que dispomos hoje em dia. Não existia o conforto das suítes. Todas as pessoas, educadas ou não, ricas ou pobres, faziam uso de penicos para suas necessidades fisiológicas noturnas.
Durante o dia, contudo, as pessoas contavam com um anexo afastado de suas residências, geralmente no quintal, que era popularmente conhecido como “casinha”.
Tratava-se de um pequeno quartinho, de pouco mais de 1m², que contava com uma única porta frontal, sendo desprovido de janelas ou basculantes ou qualquer outro recurso que propiciasse o mínimo de ventilação. Essas instalações eram construídas sobre um fosso, que se comunicava com o interior apenas por uma abertura no formato de fechadura, cuidadosamente confeccionado sobre um assoalho de laje, pedra ou madeira.
Obviamente, fazer o “serviço” de cócoras naquele ambiente abafado e claustrofóbico não era um dos maiores prazeres da vida. Ainda pior era se o fosso estivesse cheio, pois seu conteúdo literalmente fervilhava, ao passo que o mau cheiro insuportável impedia o usuário da casinha de respirar adequadamente.
Muita gente ainda ousava chamar aquela latrina de toalete, acreditando que o galicismo tornaria menos sórdido aquele ambiente desagradável.
Os árabes de Floriano, por sua vez, dispunham de penicos de todos os tipos e tamanhos, que eram facilmente encontrados, a preços módicos, em qualquer casa comercial da Rua São Pedro. Para as necessidades diurnas, contudo, a tal casinha era, invariavelmente, utilizada à mesma maneira brasileira.
Certa vez, um bem estabelecido mercador carcamano, extremamente conhecido por sua vaidade, “visitou” o tão mal falado Lajeiro, que era a conhecida zona do baixo meretrício florianense. A finalidade do passeio era uma noitada completa, que incluía a obtenção de favores sexuais de uma das profissionais que faziam ponto lá e, em seguida, uma galinha ao molho pardo para repor as energias gastas em tais atividades.
Assim, o tal carcamano, que sempre vestia ternos alvíssimos do conhecido linho “york street”, aprontou-se todo para a tal noitada, suspirando pela cocote e pela famosa galinha ao molho pardo de D. Madalena, que só era servida nas altas horas da madrugada para seus clientes VIP.
E assim aconteceu. A atividade “horizontal” o deixara tão esfomeado que nem degustou direito a tal galinha. Simplesmente ia engolindo fartos pedaços com muito arroz e farofa feita com o mais refinado óleo de babaçu da região. Apesar de esganado, tomou todo cuidado para não manchar seu precioso traje.
Ao fim da refeição, o carcamano estava tão satisfeito que nem pechinchou o preço da noitada. Com um grande arroto despediu-se da jovem e pôs-se a andar de volta para casa, observando as estrelas e pensando em como a vida no Brasil lhe era boa.
Após alguns instantes de passeio, o óleo de babaçu começou a fazer aquele efeito esperado pelo leitor atento e o árabe começou a apertar o passo. Contudo, quanto mais se apressava, mais a barriga lhe doía. Por fim, logo ao passar pelo portão de casa, deixou escapar um daqueles flatos úmidos que tanto caracterizam a temida diarréia. Adentrou na casinha tão apressadamente para não sujar de vez o “york street”, que nem reparou, ao abaixar as calças e dar a primeira aliviada, que uma cédula novinha de dez mil Réis* caíra-lhe de uma da algibeiras direto na latrina.
Deu uma segunda aliviada, e uma terceira logo em seguida, que precedeu a quarta e última, quando o dia já corria claro e já era possível ouvir o ruído dos transeuntes na rua.
Quando começou a se limpar, o carcamano reparou que, em meio àquele líquido pastoso e bege, jazia a nota de dez mil réis.
Lamentou a perda do dinheiro, concluindo que não valia a pena sujar-se por apenas dez mil réis.
Foi ali que teve a idéia: visando o prejuízo em forma de cédula, sacou dos bolsos do paletó uma cédula de um conto de réis e a jogou junto da outra exclamando para si:
― Não dá pra sujar as mãos por míseros dez “merréis”, mas por mais de um conto de réis dá pra sujar até a cara! ― e catou as duas cédulas com toda a classe do mundo.

*O advento do cruzeiro só aconteceu em 1942.

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