sábado, 29 de maio de 2010

O ÁRABE DO PIAUÍ E A CIGANA DA BAHIA


Certa vez veio a Floriano um grande circo de lona vindo diretamente da Bahia. Achava-se numa turnê que passava por cidades de maior porte, onde circulava dinheiro. Em terras de São Pedro, estabeleceu-se na praça do mercado central (atual Praça Coronel Borges). O circo era completo: tinha desde palhaços até trapezistas voadores que não usavam rede. Havia, ainda, mágicos, domadores de feras e até globo da morte. (uma grade novidade nos anos 60).
Uma das atrações mais populares do circo era, todavia, uma cigana que se dizia capaz das mais poderosas proezas esotéricas. Um anãozinho anunciava aos berros, com uma possante voz de locutor:
― Venha conhecer os prodígios da cigana Morgana Esmeralda, que veio diretamente das Índias Orientais. Por sua “pequena” contribuição, ela quebra feitiços, olho-gordo, quebrante e mal-olhado. Ela traz a pessoa amada em menos de dois dias. Ela lê nas suas mãos o seu destino amoroso e financeiro…
A cigana possuía uma pequena tenda, onde lia a sorte e os reveses de seus clientes por meio de baralhos, búzios, bola de cristal ou quiromancia. Dependia muito do gosto (e das posses) do freguês.
Quando o transeunte não caía na lábia do anão, a cigana Morgana Esmeralda o abordava pessoalmente.
Assim ela fez quando um jovem carcamano muito bem apessoado atravessava a praça do mercado. Chamava-se Fozy Atem, e pertencia a uma tradicional família árabe de Khabab estabelecida há muitos anos em Floriano.
Como era um rapaz de astuciosa inteligência, não podia deixar de ser cético para esses assuntos místicos. Duvidou na hora da idoneidade da “Cigana das Índias Orientais” e ia passando direto, resmungando para si mesmo que existia muita gente trouxa no mundo, quando a vidente o abordou falando teatralmente num sotaque um tanto forçado, que misturava um pouco de portunhol, com baianês e uma leve sonoridade hindu:
― Ó, jovem bonito! Deixa cigana Morgana Esmeralda ler sua mão?
Fozy exclamou olhando para a palma da mão:
― Não tem nada escrito nela não! Muito obrigado!
O árabe já ia continuar, mas ela fez uma segunda tentativa:
― Então deixa cigana Morgana Esmeralda fechar o seu corpo…
Fozy perdeu a paciência e disse em tom de chacota:
― Se você fechar o meu corpo, como é que eu vou cagar?
A cigana empalideceu. Respirou fundo, recuperou a calma e insistiu:
― Ó, jovem bonito! Cigana Morgana Esmeralda ser capaz de ver que você “non” crê nos poderes “márricos” de “nosotros”!
Fozy respondeu que não e pediu licença para poder continuar seu trajeto. Mas a cigana era insistente mesmo:
― Cigana Morgana Esmeralda ser capaz de ver tudo! “Siento que hai uma piedra en su camino”! Por “pequeña” quantia, cigana Morgana Esmeralda tira ela de seu destino!
O educado Fozy Atem perdeu a paciência de vez e explodiu:
― É verdade! Tem uma pedra no meu caminho! E essa pedra é você! Agora sai do meio, cigana fajuta!
A cigana pegou ar. Fazendo gestos cabalísticos com as mãos, praguejou no mais legítimo sotaque da Bahia:
― Ôxe, que hômi amarrado! O diabo te receba no inferno, carcamano miserável! Vai ser sovina assim lá na Turquia, árabe “fela da gaita”!
Fozy devolveu sem perder o rebolado:
― Pelo menos eu sou árabe legítimo! Pior é você, que é uma cigana charlatona da Bahia!

2 comentários:

  1. Resgatou uma boa história, Salomão. Em Floriano, já não se vê mais circos como antigamente. Sinto uma nostalgia da infância neste momento.

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  2. amei essa cigana sou de londrina parana meu nome e jovina povo cigano

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