sábado, 27 de março de 2010

BANHO DE RIO É “BERIGOSO”




Nos anos cinqüenta, já existia esse mesmo calor que hoje aflige os dias florianenses. Para conseguir superá-lo, as famílias se reuniam em rodas nas calçadas, formadas por frescas cadeiras de espaguete ou por confortáveis espreguiçadeiras de madeira e tanga, dispostas de maneira circular. É realmente lamentável o abandono deste costume por causa da violência e da televisão, que transformam Floriano numa cidade cada vez mais impessoal.
Nas rodas, costumava-se conversar sobre o calor e sobre a ausência ou o atraso da famosa chuva dos cajus, enquanto se saboreavam refrescos de frutas da época ou o delicioso sorvete de bacuri do bar Sertã, que vinha com línguas da fruta congeladas.
Via de regra, de setembro a dezembro, a temperatura alcançava até 42ºC e exatamente por isso, se falava (e ainda hoje se fala) no calor do “bê-erre-ó-bró”.
Obviamente, o colóquio de calçada era um hábito de fim de tarde, logo depois da missa do sisudo Padre Pedro Oliveira, que acontecia às cinco horas, pontualmente.
Para espantar o pior calor, que era aquele do começo da tarde, o florianense que dispunha de mais tempo refrescava-se nas águas do Velho Parnaíba.
Assim, por volta das duas horas da tarde, a fina flor estudantil da sociedade estava de pernas de fora no cais do porto, para desespero de Padre Pedro. Nos sermões ele denunciava tal prática “libidinosa”, dizendo que a nudez no Velho Monge estava corroendo a melhor juventude da sociedade, e que, em dez anos, não haveria expoentes sociais.

Esse combate verbal diário obviamente surtia algum efeito nas mentes maternas das beatas, que proibiam os filhos (e as filhas, especialmente) de irem nadar ou tomar sol no rio.
Mas o banho era gostoso e refrescante. Apesar das pressões eclesiásticas e familiares, os jovens escapavam para o Parnaíba sempre que podiam, bolando diversos planos para contornar o problema da proibição. Quem era mais velho arquitetava a desculpa e ainda tinha que “engabelar” o mais novo para não ir junto e para não delatar.
Ora, a grande maioria dos imigrantes árabes também era católica, freqüentadora assídua das missas de Padre Pedro e seguidora de seus sermões e conselhos.
Havia, pois, um casal árabe, muito tradicional no comércio e na cultura, que tinha um negócio na Rua São Pedro, próximo ao prédio do Tradicional Floriano Clube. O marido era um senhor bonachão de meia altura, muito servidor e a mulher era uma respeitável senhora síria, muito branca e séria, mas muito amorosa e atenciosa com seus filhos.
Obviamente, essa família protagoniza diversas histórias do folclore Esfiha com Cajuína, pois deteve forte peleja com o comércio, sitiado no mesmo lugar durante muitos anos, onde se comprava e se vendia de um tudo. O estoque incluía desde linhas diversas e material para artesanato até instrumentos de carpintaria e lavoura.
Uma dessas histórias conta que para escapar do calor, o filho mais novo desse casal, resolveu aproveitar as frias águas do Parnaíba para um gostoso banho.
Na saída, sua mãe perguntou:
― “Iá habibi, fila” meu! “Iá” querido, você vai “bra” onde?
A resposta foi sincera:
― Vou banhar no rio, mamãe.
E eis que apareceu do cérebro materno uma maneira de explicar ao filhote o pecado instituído por Padre Pedro e, ao mesmo tempo, sincretizá-lo com o tradicional fatalismo árabe:
― Vai banhar no rio não, “iá habibi”, que é pecado! Rio é fundo, tem muita água e tem também boqueirão “berigoso”, onde tem pedra e menino pensa que é rasinho. Na verdade tem alçapão que “brende” menino e você morre afogado e volta chorando pra casa e eu te dou uma pisa!
Depois de tanta previsão de desastre, e como “kullo maktub” (tudo está escrito), a solução foi um gostoso banho de tina e cuia, com água fresquinha retirada do poço mesmo.

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